V jornadas de jóvenes investigadores

V Jornadas de Jóvenes Investigadores
Eje Ciudadanía-Democracia-Representación
Cidadania e constitucionalização da questão urbana no Brasil
Ana Paula Soares Carvalho Doutoranda em sociologia no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ Nesse texto, faz-se uma breve cronologia dos fatos que influenciaram o surgimento dos intrumentos legais cuja finalidade expressa é a promoção da reforma urbana no Brasil. São eles os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, bem como a Lei nº 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, que regulamenta os artigos supracitados. Destaca-se nesse processo a atuação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) e o Forum Nacional de Reforma Urbana (FNRU). Mais adiante, cita-se alguns exemplos de sua No momento seguinte, discute-se a possibilidade de tais instrumentos legais se constituirem em exemplos de constitucionalização simbólica. Tal expressão refere-se aqui, em resumo, a instrumentos legais que não geram normatividade, mas invocados por constituintes, legisladores e governantes na retórica política. Argumenta-se que esse não parece ser o caso dos artigos constitucionais supracitados, bem como do Estatudo da Cidade, uma vez que já se pode observar algumas aplicações práticas desses instrumentos. Além disso, vale ressaltar que eles surgiram a partir da mobilização da sociedade civil no sentido de trazer à esfera pública a questão urbana e influenciar o sistema político e o sistema de direitos. Aponta-se então para o fato de que o movimento pela reforma urbana influenciou na ampliação do processo de juridificação no Brasil no que tange aos problemas urbanos. Em outras palavras, não só um número crescente de conflitos têm sido resolvidos com base em critérios legais, como também assiste-se ao do fortalecimento de um direito substantivo, propositivo, e regulatório. Os problemas urbanos e os movimentos sociais urbanos no Brasil O modelo de urbanização brasileiro produziu ao longo das décadas fragmentação do espaço e de exclusão social e territorial. Ele é também marcado por forte concentração da população nas grandes metrópoles, as quais cresceram intensa e desordenadamente nos últimos cinqüenta anos. Uma marca importante das metrópoles brasileiras é o incessante Os assentamentos precários são comuns em quase todas as grandes cidades brasileiras, bem como a existência de uma grande quantidade de imóveis que se encontra ociosa ou subutilizada, o que faz com que as cidades ganhem cada vez mais extensão territorial. Milton Santos (2005) aponta como uma das causas deste estado de coisas a intensa especulação imobiliária e fundiária. Esta é fruto de uma urbanização que respeita exclusivamente a lógica O crescimento das cidades raramente foi acompanhado por uma presença efetiva e competente do poder público para dar respostas às questões de habitação, saneamento básico, ocupação planejada do solo urbano, transporte, etc. O resultado dessa ausência do poder público no planejamento do crescimento urbano ou, em alguns momentos, incapacidade de elaborar políticas eficazes, foi a conformação do que alguns chamam de “apartheid urbano”: a segregação do espaço urbano entre territórios providos de serviços de infra-estrutura e áreas periféricas desprovidas de acesso digno ou totalmente desprovidas de acesso a esses serviços. Diante de tal quadro, já nos anos 1960 alguns atores começam a demandar do poder público melhorias infra-estruturais pontuais, tais como abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica. A relação que se estabelecia entre tais atores e o Estado era, muitas vezes, clientelista, sendo que o atendimento das demandas era entendido a partir da lógica do favor. De acordo com Doimo (1984) a configuração dos movimentos urbanos no Brasil até a década de 1970 evidencia uma debilidade organizativa, bem como uma fragilidade no que tange à capacidade de pressão frente ao Estado, que travava com esses movimentos uma Em fins dos anos 1970 vê-se uma mudança nesse estado de coisas. A demanda por bens materiais passou a ser compreendida como uma luta por direitos sociais. Assiste-se a uma ruptura com a mediação política clientelista e a uma caminhada para formas autônomas de organização. Nas palavras de Avritzer, Os movimentos sociais urbanos mudaram a política local e o modo de negociação quanto à distribuição de bens públicos introdução formas autônomas de ação (.). No nível do discurso, a idéia de melhoramentos materiais como uma concessão a ser feita pelo estado foi substituída pela demanda por direitos de cidadania. (2002, p. 94)1 Seguindo uma linha interpretativa semelhante, De Grazia afirma que os movimentos sociais urbanos surgidos no período supramencionado conseguiram comprometer as lideranças políticas “a implementar [na década seguinte] uma bandeira de luta capaz de articular de maneira global as reivindicações expressas por grandes mobilizações realizadas contra a política urbana e socioeconômica brasileira.” (2003, p. 53) O movimento pela reforma urbana, nascido no seio de setores progressistas da sociedade brasileira, reuniu-se em torno da condenação da exclusão da maior parte dos determinada pela lógica da segregação espacial; pela mercantilização do solo urbano e valorização imobiliária; pela apropriação privada dos investimentos públicos em moradia, em transportes públicos, em equipamentos urbanos e em serviços públicos em geral. (SAULE, 2006, p. 15) Construiu-se aí um discurso e uma prática social marcados pela autonomia. Passou-se a falar em direitos: a desigualdade social deveria ser suplantada com base numa nova ética social. O surgimento desta dependia, por sua vez, da politização da questão urbana, compreendida como elemento fundamental para o processo de democratização da sociedade A década de 1980 é certamente aquela em que a luta pela reforma urbana se institucionalizou mais profundamente. Há que se lembrar que o processo de democratização do país estava em pleno curso, o que facilitou em muito a organização e a interlocução entre as diversas entidades e movimentos ligados à questão urbana. Vale mencionar aqui o surgimento, em janeiro de 1985, do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, movimento este que aglutinava movimentos de moradia, associações profissionais e sindicais, ONGs de assessoria e formação, e, ainda, profissionais oriundos da academia e atrelados ao planejamento urbano. “No princípio, a luta do Movimento tinha um caráter local, como a reivindicação por moradia. Mas com o fim do regime militar, passou a incorporar a idéia de A atuação do Movimento na Constituinte de 1987 é de grande importância. Através dele, várias organizações da sociedade civil articularam-se e mesmo assumiram a tarefa de elaborar uma proposta de lei a ser incorporada na Carta de 1988, lei esta que deveria funcionar no sentido de modificar o perfil excludente das cidades brasileiras. Cabe ressaltar que nessa fase a pauta de reivindicações já não se limitava à questão da moradia. A bandeira do Movimento passa a ser o direito à cidade, que se caracteriza por quatro eixos básicos: gestão democrática e participativa das cidades; garantia da justiça social e de condições dignas a todos os habitantes das cidades; subordinação da propriedade à função social; e sanções aos proprietários nos casos de não cumprimento da função social. Para Leonardo Avritzer esse movimento foi, desde o princípio, Um híbrido entre um movimento social e um lobby organizado (.) [na medida em que] no seu modo de mobilização tinha as características dos movimentos sociais urbanos brasileiros, tal como a capacidade de agregar um largo espectro de atores sociais [e, ao mesmo tempo], contou com o suporte de associações profissionais nacionais alocadas em Brasília e estava envolvido com a política nacional. (2007, p. 5) A emenda da reforma urbana organizada pelo MNRU e apresentada à Assembléia Constituinte tinha como idéia central o direito à cidade, que é baseado em três eixos principais: administração democrática das cidades brasileiras; direito à moradia digna a todos os habitantes; e subordinação da propriedade privada aos imperativos da política urbana. Para forçar tal subordinação, a emenda popular propunha os seguintes instrumentos: imposto progressivo sobre a propriedade urbana; taxação sobre a valorização da propriedade urbana; preferência estatal na aquisição de terras urbanas; e prerrogativa estatal de expropriação de terra urbana. No que diz respeito à promoção da administração democrática, a emenda propunha audiências públicas, iniciativa popular, veto popular de legislação com suporte de cinco por cento do eleitorado e a possibilidade de o Ministério Público agir em caso de vácuo Com mais de 130 mil assinaturas a emenda popular da reforma urbana foi apresentada à Assembléia Constituinte, desencadeando uma disputa com setores conservadores notadamente ligados ao mercado imobiliário. O seu texto não foi completamente incorporado à Constituição, mas os princípios da função social da propriedade e da administração democrática entraram no texto da Carta. De acordo com Saule (2006, p. 17), com a promulgação da Constituição de 1988, o direito público brasileiro passa a garantir não só a propriedade e o interesse privados, mas também o bem comum. A propriedade não é mais apenas matéria de direito civil, mas também de direito público. Após a Constituinte o MNRU transformou-se em Fórum Nacional pela Reforma Urbana. Coube então a ele levar à frente a luta pela elaboração e aprovação de uma lei que especificasse o capítulo constitucional referente à política urbana. A esse objetivo inicial somou-se o de acompanhar os processos de elaboração das Constituições Municipais [as Leis Vale lembrar que o papel do Ministério Público foi completamente modificado pela Constituição de 1988. Antes, seu papel consistia em defender os interesses do governo federal. Em 1985 ele adquire a prerrogativa de defender interesses públicos difusos. A Carta de 1988 consolidou essa função institucional por meio da diferenciação entre duas instituições, a Advocacia Geral da União e o Ministério Público. Por mais de uma década os movimentos sociais ligados ao FNRU travaram uma disputa com atores conservadores quanto ao conteúdo da lei. Esse embate envolveu um processo intenso de lobby no Congresso Nacional brasileiro até que se aprovou a lei que ficou conhecida como “Estatuto da Cidade”. O Estatuto define as diretrizes gerais que devem ser observadas pelos governos federal, estadual e municipal para a promoção da política urbana, voltada a garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e da cidade, o direito a cidades sustentáveis e o desenvolvimento de gestões democráticas nas cidades. De modo mais específico, o Estatuto trata: - dos instrumentos voltados a garantir o cumprimento da função social da propriedade (imposto progressivo no tempo sobre a propriedade urbana e a desapropriação para fins de reforma urbana); - dos critérios para a elaboração e execução do Plano Diretor pelos municípios; - dos instrumentos de regularização fundiária das áreas urbanas ocupadas por população de baixa renda; dos instrumentos de gestão democrática da cidade (audiências públicas, conselhos e conferências das cidades nas esferas nacional, estadual e municipal). A aprovação do Estatuto certamente pode ser tida como um produto da ação institucional do FNRU. Avritzer (idem, p. 22) atribui esse sucesso a três fatores: a presença forte de associações profissionais com influência difusa no Congresso brasileiro; a presença duradoura do FNRU no Congresso e sua capacidade, apesar de sua ligação com a esquerda, conseguir também apoio junto às forças do centro; e o fato de o Fórum ter-se focado em uma agenda específica, enquanto que os setores conservadores trocaram de agenda muitas vezes Como se pode observar, um dos anseios do movimento pela Reforma Urbana e, por conseguinte, uma das principais bandeiras do FNRU é a disseminação no país de uma cultura de gestão democrática da cidade. O fato de o Estatuto da Cidade trazer no seu corpo de normas a obrigatoriedade da elaboração, por parte dos municípios, de Planos Diretores que conte com a participação popular dá certamente um grande impulso para o desenvolvimento Há, entretanto, muitos obstáculos ao espraiamento da cultura de gestão democrática. as barreiras [para a realização da gestão democrática] têm suas raízes plantadas nas práticas históricas de corrupção, clientelismo, disputa de interesses particulares, fragmentação das políticas, máquina pública despreparada para servir a população, pressão por projetos que se adaptem à disputa de recursos no mercado internacional, (.), 'guerra fiscal', entre outros. (idem, p. 66) Apesar das dificuldades, não se pode negar, contudo, que a promulgação do Estatuto abriu um importante espaço de debate nos municípios no que diz respeito à participação popular. Desde 2003 assiste-se à realização de conferências, audiências públicas, etc., voltadas à discussão dos mais variados problemas urbanos. Já é possível observar na atualidade a potencialidade no Estatuto quanto ao processo de regularização fundiária. De acordo com o Ministério das Cidades (Ministério das Cidades, 2008), há vários focos de mobilização em todo o país com vistas a regularizar a posse de terras por parte de cidadãos que há anos – e mesmo décadas – viviam na irregularidade e, por conseguinte, ameaçados constantemente de despejo. Nesse processo vêm se envolvendo diversas entidades, movimentos de sem-teto, movimentos de moradores de favelas, Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros. Constitucionalização da questão urbana no Brasil? Diante do exposto, pode-se dizer que o Estatuto da Cidade é uma lei que se enquadra no escopo do direito regulatório, na medida em que é uma lei voltada para a promoção de direitos sociais e controle da ação do sistema econômico. Sua promulgação assim, na medida em que amplia os temas juridificáveis, é parte do processo de juridificação. Utiliza-se aqui o conceito de juridificação (Verrechtlichung) no sentido a ele atribuído por Günther Teubner, que os associa ao surgimento e expansão do direito regulatório, processo no qual o direito se politiza e socializa. Teubner associa esse desenvolvimento ao fenômeno descrito por Max Weber como materialização do direito formal, ou seja, a abertura do direito a influências externas a ele baseadas em räsonements sociológicos, políticos e De acordo com esse autor, a juridificação implica em um complicado processo de acoplamento estrutural entre o sistema de direitos, o sistema político e as esferas sociais da vida (gesellschaftliches Lebensbereich). No estado constitucional social e democrático esses sistemas se influenciam mutuamente e há sempre o risco de que essa influência gere efeitos destrutivos. Tal risco é trabalhado por Habermas (1981), para quem o direito como meio, como expressão da racionalidade com referência a fins, a serviço da economia e do poder, pode invadir a esfera da ação comunicativa, baseada no entendimento mútuo, e, desse modo, bloquear a construção da razão intersubjetiva. Para o autor, porém, a juridificação pode ter caráter social-integrador e funcional quando o direito assume um papel de regulação, orientando-se pelo entendimento, ou quando ele funciona como um meio de controle dos sistemas político e econômico. (pp. 522 s.) Também apostando no potencial positivo do direito regulatório, Teubner rejeita a saída dada pelos liberais aos dilemas postos pela juridificação, qual seja, a desjuridificação. Para ele é necessário encontrar soluções que “partam tanto da necessidade da instrumentação sócio-política do direito, bem como da necessidade de um acoplamento estrutural com esferas da vida (Lebensbereichen).” (1984, p. 70) Mais adiante ele afirma que o acoplamento estrutural não destrutivo se opera quando “a função oficial do direito – coordenar as mudanças de comportamento – vai para o segundo plano, enquanto que sua função latente – dirigir sistemas de negociação (Verhandlungssysteme) – se torna algo decisivo.” (idem, p. 74) Vale ressaltar ainda que para Teubner o processo de juridificação é um desenvolvimento irreversível. Para Marcelo Neves, entretanto, tal processo está bloqueado nos países periféricos. Partindo da premissa de que a complexidade social e o desaparecimento de uma moral imediatamente válida para todas as esferas da sociedade como característica da modernidade, ele acredita que em determinadas regiões estatalmente delimitadas (países periféricos), não houve de maneira nenhuma a efetivação adequada da autonomia sistêmica de acordo com o princípio da diferenciação funcional nem a constituição de uma esfera pública fundada na generalização institucional da cidadania, características (ao menos aparentes) de outras regiões estatalmente organizadas (países centrais). (2007, p. 171) Numa análise luhmanniana desses países, o autor afirma que lá os subsistemas sociais não se desenvolvem com suficiente autonomia operacional, o que implica em um difuso sobrepor-se e intrincar-se de códigos e critérios/programas tanto entre os subsistemas sociais quanto no interior deles, enfraquecendo ou impossibilitando o seu funcionamento de maneira generalizadamente includente. Daí surge o problema da „marginalidade‟ ou „exclusão‟, que, a rigor, é um problema de „subintegração‟ nos sistemas funcionais da sociedade. Emergem, então, relações de „subintegração‟ e „sobreintegração‟ nos diversos subsistemas sociais. (idem, p. 173) Dessa forma, o sistema jurídico e político são bloqueados externamente por injunções diretas (isto é, não mediatizadas por suas próprias operações) de critérios dos demais sistemas sociais, principalmente do econômico. Essas interferências não mediatizadas acabam por dificultar a concretização jurídico-normativa do texto constitucional, na medida em que outros códigos sistêmicos “ter/não ter”, “poder/não poder”, “verdadeiro/falso”, etc. sobrepõem-se ao código „lícito/ilícito‟. Normatividade é aqui entendida como propriedade da norma jurídica de influenciar a realidade a ela relacionada (normatividade concreta) e de ser, ao mesmo tempo, influenciada e estruturada por esse aspecto da realidade (normatividade materialmente determinada). Mesmo não gerando normatividade, os princípios constitucionais são, nos países periféricos, invocados por constituintes, legisladores e governantes na retórica política. Esse fenômeno de não concretização normativo-jurídica do texto constitucional acompanhada do uso simbólico do mesmo no âmbito do sistema político – típico dos países periféricos, onde há sobreposição destrutiva de códigos sistêmicos – é chamado pelo autor de “constitucionalização simbólica”. Segundo ele, a constitucionalização simbólica está (.) intimamente associada à presença excessiva de disposições constitucionais pseudoprogramáticas. Dela não resulta normatividade programático-finalista, antes o diploma constitucional atua como álibi para os agentes políticos. (idem, p. 116) Tendo como base a leitura de Häberle (1980) quanto à constituição, interpretada por Neves como uma que conduz à idéia de que “o texto constitucional só obtém sua normatividade mediante a inclusão do público pluralisticamente organizado (.) no processo de concretização constitucional.” (idem p. 86), esse autor afirma ainda que o problema da constitucionalização simbólica está vinculado à não-inclusão de uma „esfera pública‟ pluralista no processo de concretização constitucional. (idem, p. 94) Para o autor, onde há constitucionalização simbólica não há juridificação, mas sim desjuridificação da realidade constitucional. Isso porque à produção de mais normas jurídicas em lugar de regulações informais não corresponde a maior eficácia do direito. Em outras palavras, à produção das normas jurídicas não se segue uma orientação generalizada das expectativas normativas com base no texto constitucional [de modo que] o vivenciar normativo da população em geral e dos agentes estatais faz implodir a Constituição como ordem básica da comunicação jurídica. (idem, p. 169) Esse é, para o autor, o caso do Brasil, país em que, em virtude da não diferenciação suficiente dos sistemas, o direito nunca opera de modo autônomo e auto-referido. O Estatuto da Cidade e suas aplicações Ainda que essa visão tenha muitos méritos e explique uma parte interessante da relação da sociedade brasileira com o corpo de normas existentes, é importante que se faça um contraponto a ela, apontando-se para potencialidades que o autor parece não enxergar. Contra essa visão pode-se argumentar que o capítulo constitucional referente à política urbana e a lei que regulamenta os dois artigos do qual ele se compõe são produtos de intensa mobilização de movimentos de moradores de áreas periféricas, de associações profissionais, de quadros vindos da universidade, entre outros. Eles foram capazes de manter a militância, mudando suas estratégias de ação em virtude dos diferentes cenários políticos que foram se apresentando ao longo da segunda metade do século XX no Brasil, organizando o projeto de iniciativa popular da reforma urbana a ser incluído na constituição e, posteriormente, influenciando na confecção e aprovação do Estatuto da Cidade. Holston (2008), na obra Insurgent Citizenship, que trata do desenvolvimento da cidadania no Brasil focando na história das lutas pelo acesso à terra legalizada, traz uma perspectiva que reforça uma visão mais otimista quanto aos direitos no Brasil. Ele afirma que aqui, ao mesmo tempo em que vigora um tipo de cidadania que legaliza desigualdades, movimentos insurgentes de cidadãos operam no sentido de mudar esse estado de coisas. Foi assim que, partir dos anos 1970, as classes trabalhadoras brasileiras articularam uma forma nova de cidadania na medida em que migraram para as cidades e construíram as periferias urbanas. Expulsas das áreas centrais pelas elites que remodelavam as modernas capitais, elas passaram a viver em áreas marginais, com pouca infra-estrutura. Diante das precárias condições, foram obrigadas a se organizar para conquistar serviços básicos e a autoconstruir suas moradias. De acordo com o autor, a autoconstrução se transformou em um domínio da elaboração simbólica. Ela transformou as periferias em um espaço de futuros alternativos, produzido na experiência de se tornar proprietário, organizar movimentos sociais, participar do mercado consumidor e fazer julgamentos estéticos quanto a transformações nas casas. Mais adiante ele afirma ainda que a ilegalidade residencial galvanizou uma nova participação cívica e uma nova prática de direitos, ao passo que criou as condições para que os moradores se mobilizassem para demandar pleno pertencimento à cidade legal por meio da legalização de sua propriedade e da provisão de serviços urbanos. (ibidem, p. 8) Compartilha-se aqui dessa visão de que nações marcadas por profundas desigualdades não estão condenadas, mas sim que nelas podem surgir as condições para a materialização dos direitos, principalmente quando se observa uma história de mobilização das camadas tradicionalmente excluídas da sociedade. Acredita-se que o Estatuto da Cidade é um produto dessa experiência de participação cívica, constituindo-se em mais um instrumento no sentido da ampliação de acesso a direitos fundamentais. O fato, porém, de que a Lei 10.257 surgiu de uma demanda de movimentos sociais urbanos e de uma negociação na esfera pública entre atores plurais não garante a sua concretização jurídico-normativa. Esta depende de ela ser acionada pelos diversos atores, bem como da sua correta interpretação por parte dos operadores do direito. É necessário, portanto, analisar do uso que tem sido feito desse instrumento legal. Um retrato fiel desse processo poderia ser alcançado por meio de análises de processos de regularização fundiária3 e de construção e aplicação dos Planos Diretores, bem como via estudo de decisões judiciais relacionadas de alguma forma à aplicação do Estatuto. Por questões de tempo e espaço, esse artigo se dedica apenas a essa última análise, a qual implica, entretanto, em alguns problemas metodológicos. Só se alcançaria precisão máxima se fosse possível acessar todos os processos, em todo o território nacional, em que essa lei foi mencionada e analisar o conteúdo de todas as sentenças finais. Em virtude da dificuldade de se acessar os processos nos tribunais de justiça, optou-se por consultar os processos em que a lei é mencionada por meio dos sites desses tribunais na internet. Procurou-se assim um campo em que se pudessem fazer buscas livres. Processos que são julgados em primeira instância só são passíveis de serem acessados quando se dispõe do número do processo. Ainda assim, raramente há acesso ao inteiro teor das sentenças. Foi necessário então recorrer ao campo das jurisprudências. Assim foi possível fazer buscas pelas palavras “estatuto da cidade”. Nesse campo, porém, só se acessa os acórdãos dos julgamentos de recursos, ou seja, só os julgados em segunda instância. Os dados apresentados aqui vão se limitar, assim, a esse universo. É necessário fazer ainda a ressalva de que não se pode garantir que todos os tribunais tenham feito bancos de dados acessíveis pelos seus sites contendo todos Mesmo restringindo-se a pesquisa ao Estatuto da Cidade e aos julgados em segunda instância, encontrou-se um número grande de acórdãos: 10244. Quase 72% desses acórdãos são originários dos tribunais de justiça dos estados de Minas Gerais e São Paulo.5 Diante do grande número de acórdãos, decidiu-se fazer uma classificação prévia dos dados partindo-se de três temas: regularização fundiária, gestão democrática das cidades e contenção da especulação imobiliária. Feita essa restrição, restaram 816 (cerca de 80% do Cabe mencionar que o Ministério das Cidades fez parcerias com entidades da sociedade civil para promover a regularização fundiária em várias cidades brasileiras que enfrentam sérios problemas com loteamentos irregulares. Vale destacar o trabalho da Fundação Bento Rubião, sediada no Rio de Janeiro, que presta consultoria jurídica a pessoas que visam regularizar sua posse e que atualmente trabalha num grande projeto de regularização fundiária em partes da Favela da Rocinha no Rio de Janeiro. 4 A pesquisa nos sites dos tribunais foi feita entre a primeira semana de maio de 2009 e a segunda Não se pode dizer que nesses estados foram ajuizadas de fato o maior número de ações que de alguma forma se referem aos temas tratados pelo Estatuto da Cidade. Pode ocorrer que seu sistema de disponibilização de informações on-line seja superior ao dos outros estados. Entretanto, vale lembrar que esses são estados muito populosos, o que de alguma forma justifica que eles se destaquem nessa pesquisa. Esses três temas foram escolhidos em virtude de aparecerem na literatura investigada – e mencionada na sessão anterior – como as principais bandeiras tanto do MNRU, quanto do FNRU, e são de alguma forma privilegiados nos instrumentos legais trazidos pelo Estatuto da Vale lembrar que emenda da reforma urbana organizada pelo MNRU e apresentada à Assembléia Constituinte tinha como eixos principais: administração democrática das cidades, direito à moradia digna a todos os habitantes e subordinação da propriedade privada aos imperativos da política urbana. Para forçar tal subordinação, a emenda popular propunha os seguintes instrumentos: imposto progressivo sobre a propriedade urbana; taxação sobre a valorização da propriedade urbana; preferência estatal na aquisição de terras urbanas; e prerrogativa estatal de expropriação de terra urbana. No que diz respeito à promoção da administração democrática, a emenda propunha audiências públicas, iniciativa popular, veto popular de legislação com suporte de cinco por cento do eleitorado e a possibilidade de o Ministério Público agir em caso de vácuo legal. (Avritzer, p. 7) Grande parte desses instrumentos foi incorporada ao capítulo constitucional referente à política urbana. É importante ressaltar que os importantes princípios da democracia participativa e da função social da propriedade ficaram subordinados ao requerimento da elaboração do Plano Diretor. A obrigatoriedade da elaboração do Plano Diretor vai aparecer ainda com mais força no Estatuto da Cidade, que determina critérios para a elaboração e execução do Plano Diretor pelos municípios. O capítulo III dessa lei é todo dedicado a essa questão. Ele determina, entre Art. 40. (.) § 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos (.) Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo: I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei; II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III – sistema de acompanhamento e controle. O Estatuto trata ainda, como se viu, dos instrumentos voltados a garantir o cumprimento da função social da propriedade; dos instrumentos de regularização fundiária das áreas urbanas ocupadas por população de baixa renda; e dos instrumentos de gestão democrática da cidade. Há nele sessões específicas para: o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; o IPTU progressivo no tempo; a desapropriação com pagamento em títulos; a usucapião especial de imóvel urbano; o direito de superfície; o direito de preempção; a outorga onerosa do direito de construir; as operações urbanas consorciadas; a transferência do direito de construir; o estudo de impacto de vizinhança. Dentre esses, destacam-se como instrumentos voltados para a regularização fundiária a usucapião e as operações urbanas consorciadas. Como instrumentos voltados ao cumprimento da função social da propriedade o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento de títulos. Com o intuito de observar a relevância de cada um desses instrumentos para a pesquisa, testou-se o número de ocorrências deles no site do TJ-SP, uma vez que foi nesse tribunal que se encontrou o maior número de ocorrências (quase 55% do total). Nessa busca, só apareceram com destaque a usucapião6 e o IPTU progressivo no tempo7, restringindo-se, assim, a pesquisa a esses dois instrumentos no que tange à investigação dos instrumentos voltados à regularização fundiária e contenção da especulação imobiliária. Os acórdãos foram classificados segundo tipo de ação, autor, em face de quem foi ajuizada a ação e tema. Selecionaram-se ainda trechos dos acórdãos que servem para ilustrar as idéias apresentadas. Serão analisados aqui os dados referentes aos estados de São Paulo e Minas Gerais, nos quais há números significativos de acórdãos referentes aos três temas Em Minas Gerais, o segundo estado com maior número de ocorrências (157), o tema do IPTU progressivo apareceu em 86 acórdãos, sendo que destes, 79 pareceram interessantes para a análise. Em linhas gerais, pode-se dizer que em grande parte dos casos tratava-se de Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 7 Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos. Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação. § 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo. ações de pessoas físicas ou jurídicas contra o poder público alegando cobrança ilegal de alíquotas progressivas. Observou-se que, nos municípios citados nos acórdãos, destacando-se aí a capital Belo Horizonte, a instauração da alíquota progressiva não se deu nos termos dos artigos 5º. e 7º. do Estatuto da Cidade, citados na nota 3. Aplicou-se uma progressividade relacionada não à penalização do contribuinte pelo mau uso do solo urbano, mas sim a outros critérios como localização privilegiada, valor e uso do imóvel. Essa progressividade passou a ser permitida legalmente somente a partir da promulgação da emenda constitucional 29/2000, diferentemente da outra, que já estava inscrita no artigo 182 da constituição brasileira. Houve também casos em que se tentou aplicar a progressividade no sentido de se promover a função social da propriedade, sem, no entanto, aprovar o Plano Diretor, único instrumento capaz de definir onde esse instrumento poderia ser aplicado. Em São Paulo, dos 580 acórdãos, 422 tratam do IPTU progressivo, dos quais 368 pareceram interessantes para a análise, considerando-se que havia algumas repetições. O retrato dos acórdãos é muito semelhante àquele encontrado no estado de Minas Gerais: pessoas físicas ou jurídicas recorrendo à justiça para evitar que seja cobrada a alíquota progressiva. A esmagadora maioria das cobranças que se tenta evitar estão pautadas na progressividade em virtude da localização, valor e uso do imóvel, e não como penalidade por não se cumprir a função social da propriedade. Depreende-se daí que não se tem feito bom uso desse instrumento que visa diminuir a especulação imobiliária e ampliar o acesso à terra urbanizada. Cabe-se citar aqui o caso da capital Belo Horizonte, que aparece em 39 dos acórdãos estudados, cujo plano diretor apenas menciona o instrumento, não definindo como nem quando ele deve ser aplicado. (REDE DE DIRETORES PARTICIPATIVOS, 2009) Por outro lado, há indícios de que o instrumento do imposto progressivo começará a ser utilizado amplamente na cidade de São Paulo. Segundo a Agência Estado, um projeto de lei protocolado no dia 30 de junho deste ano na Câmara pelo vereador José Police Neto (PSDB) autoriza a Prefeitura a implementar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo sobre 400 mil imóveis ociosos ou subutilizados de São Paulo. “O recurso estava previsto para ser adotado pelo governo municipal nos artigos 199 a 203 do Plano Diretor Estratégico de 2002. Havia, contudo, dúvida sobre a constitucionalidade da medida, cujo mérito foi julgado legal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em ações nos Quanto ao tema da usucapião9, em Minas Gerais foram encontrados 35 acórdãos em que ele foi mencionado, dentre os quais 27 pareceram úteis à análise. Em 17 casos a decisão foi contrária à regularização fundiária e em 10 a decisão foi favorável. Em dois casos tentou- se utilizar o instrumento da usucapião coletiva, instituído pelo Estatuto da Cidade, porém não se havia transcorrido o período de ocupação mínimo de cinco anos após a aprovação da referida lei. Observou-se em vários casos a utilização da ação de usucapião como matéria de defesa em face de ação de reintegração de posse, numa clara aplicação do que está definido no Estatuto. Dentre as razões para as decisões desfavoráveis às ações de usucapião, cabe destacar a não citação de todos os proprietários e de todos os confrontantes, condição sine qua non para que se siga adiante com esse tipo de ação. Isso é uma indicação da dificuldade que os autores dessas ações têm em encontrar os proprietários dos imóveis usucapidos, o que atrasa e muitas vezes mesmo inviabiliza a materialização do direito à aquisição de imóveis via Em São Paulo, quanto ao mesmo tema, dos 85 acórdãos encontrados, 68 deles foram analisados. Em 47 deles a decisão foi favorável à regularização fundiária e em 21 a decisão foi contrária. Observou-se que o artigo 11 do Estatuto da Cidade foi amplamente utilizado, de modo que várias ações de reintegração de posse foram sobrestadas em função de já estar em curso uma ação de usucapião. A partir da leitura dos acórdãos percebeu-se que, em muitos casos, juízes proferiram sentenças extinguindo ações de usucapião em razão de os imóveis se localizarem em loteamentos irregulares. Na maioria dos casos encontrados, os desembargadores determinaram a revogação da sentença e o prosseguimento das ações. Eles também reformaram várias sentenças que extinguiam ações por falta de documentos. Alegou- se que o juízo pode requisitar ao Cartório competente ou expedir ofício para que o autor obtenha a certidão da matrícula do imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes. Tudo isso de forma gratuita, como determina o art. 12, § 2º do Estatuto da Cidade. Ao tratar dos dados do estado de Minas Gerais referentes ao plano diretor (16 casos, 12 relevantes para a análise), observou-se a grande atividade do Ministério Público (MP) (7 É preciso dizer que a usucapião não foi instituída pelo Estatuto da Cidade: quase todas as suas modalidades já estavam previstas ou no código civil brasileiro, ou na constituição. O Estatuto traz, porém, importantes inovações jurídicas, como a usucapião coletiva, que torna mais fácil a regularização de imóveis em favelas, onde a demarcação dos terrenos é muito complexa. Além disso, ele determina, no art. 11, que “na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.” Traz ainda os benefícios da justiça e da assistência judicial gratuita a todos os que ajuizarem ações de usucapião especial de imóvel urbano (art. 12, § 2o ), bem como autoriza que essas ações sejam usadas como matéria de defesa em face de ações possessórias. De todo modo, é importante que se diga que o universo dos acórdãos em que se menciona simultaneamente a usucapião e o Estatuto da Cidade é infinitamente menor do que aquele em que se menciona apenas a usucapião. casos). A ação civil pública (ACP) foi também bastante utilizada (8 casos), sendo sete vezes pelo MP e uma vez por uma associação da sociedade civil. Os principais temas foram: a contestação de emissão de licença para obras (3 ocorrências); controle das atividades do executivo (5 ocorrências); e questões ambientais (duas ocorrências). No exame dos acórdãos, percebe-se em alguns casos uma interpretação da lei muito favorável à reforma urbana. Exemplo disso é a apelação cível de número 1.0024.04.290502- 6/001(1), referente à ACP que visava fazer com que a Prefeitura de Belo Horizonte realocasse famílias que tinham se estabelecido em local impróprio para a moradia e recuperasse a área. No julgamento, o desembargador Dárcio Lopardi Mendes, em seu voto, argumentou que O conflito entre o direito à moradia e a ao meio ambiente sustentável é falso, porque ambos os valores
constitucionalmente defendidos devem ser compatibilizados. No caso em comento, não podendo se
realizar o direito à moradia no local, tendo em vista a necessidade deste ser preservado, porque por ali
passam interceptores do Sistema de Esgotamento Sanitário do Ribeirão do Onça, o direito à moradia
será respeitado, entretanto a sua efetivação se dará em outro lugar adequado.
(.)
O Município de Belo Horizonte, nos termos da legislação urbanística vigente, é o responsável por
promover o planejamento urbano por meio do plano diretor, que engloba o território do Município
como um todo, nos termos do art. 40, § 2º da Lei 10.257/2001, e da lei de uso e ocupação do solo. Certo
é que o Município de Belo Horizonte foi omisso no que concerne à fiscalização da região ocupada, não
havendo de se falar, portanto, em ilegitimidade passiva para o pleito.
Por outro lado, quando o MP buscou forçar o município a criar as condições para que o plano diretor fosse elaborado e votado na cidade de Munhuaçu, MG, a decisão do juiz, que tinha sido favorável à ACP, foi derrubada na segunda instância. (Agravo de Instrumento 1.0394.07.066976-4/001(1)/ Relatora Teresa Cristina da Cunha Peixoto). O mesmo ocorreu quando o MP tentou, na mesma cidade, determinar que o município procedesse com as medidas indispensáveis a serem tomadas para a formação e implementação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano. (Agravo de Instrumento 1.0394.07.066871-7/001(1)/ Relatora Teresa Cristina da Cunha Peixoto). Esses exemplos apontam para dificuldade encontrada em se fazer valer a letra da lei 10.257/2001, que diz, no inciso VII, art. 52, que incorre em improbidade administrativa, sem prejuízo de punição de outros agentes públicos, o Prefeito que deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância do disposto no art. 50.10 Isso fica ainda mais patente na apreciação do mandado de segurança (1.0000.08.471421-1/000/ Relator Edilson Fernandes) que visava encerrar um processo Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do caput do
art. 41 desta Lei e que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei deverão aprová-lo até 30 de junho de 2008. administrativo movido pela Câmara Municipal de Corinto contra o prefeito da mesma cidade. Com esse processo, a câmara buscava caçar o mandato do prefeito, sob a argumentação de que ele não tinha tomado as providências necessárias para que se elaborasse o plano diretor. Os desembargadores que apreciaram o mandado alegaram que se tratava de perseguição política e concederam segurança encerrando o processo. Não se tem a intenção aqui de contestar a decisão, já que não se tem informações necessárias para isso. Cabe aqui apenas destacar uma passagem interessante do voto do desembargador Ernane Fidélis: “penso que esse cidadão que ofereceu a denúncia, sou capaz de afirmar, nem sabe o que é Plano Diretor. Confesso aos Senhores que eu mesmo não sei o que significa Plano Diretor. Sei por alto, mas não sei, na realidade, o que ele significa.” Tal afirmação revela que há magistrados que ainda ignoram o Estatuto da Cidade, ou pelo menos parte de suas determinações. Em São Paulo, nos acórdãos em que se mencionava o Plano Diretor – 39, dos quais 32 foram analisados, observou-se um número considerável de ações diretas de inconstitucionalidade de leis municipais que estavam em desacordo tanto com a constituição quanto com o Estatuto da Cidade e as leis que instituíam os Planos Diretores dos respectivos municípios. Vale lembrar que a Constituição que toda lei de natureza urbanística deve se subordinar às diretrizes do Plano Diretor. A maior parte dessas ações é ajuizada por prefeitos contra os presidentes das câmaras de vereadoras. Cabe destacar ainda outras ações que visaram impedir que se pagassem juros compensatórios em indenizações pagas a proprietários de lotes destinados à construção de casas populares. Esse impedimento se baseia no Estatuto da Cidade, que não permite o pagamento dessa remuneração a propriedades que não cumprem sua função social (art. 8°,§ 2o, II). Essas em geral foram movidas pelas prefeituras contra as pessoas físicas e jurídicas, proprietárias dos imóveis em questão. Vê-se aí mais um caso de cumprimento daquilo que foi estabelecido pelo Estatuto em favor da coisa pública e contra o No caso brasileiro, é indiscutível que inúmeros princípios constitucionais, notadamente aqueles que tratam de direitos sociais, não produzem normatividade e são ao mesmo tempo utilizados no discurso político. Várias normas constitucionais são violadas diariamente e certamente pode-se falar de uma massa de subintegrados e uma elite de sobreintegrados, fato que impede a generalização da cidadania. Tomando-se como base de análise a leitura de Häberle acima exposta, vê-se que no caso do capítulo constitucional que trata da política urbana e da lei que o regulamenta, o Estatuto da Cidade, atende-se a uma pré-condição para que se alcance normatividade: a sociedade civil organizada participou ativamente da elaboração da construção dessa parte da constituição bem como continuou engajada no sentido de pressionar o sistema político e o sistema jurídico a pôr a constituição em prática. A análise feita anteriormente das decisões judiciais em que se menciona o Estatuto da Cidade certamente não permite fazer afirmações definitivas quanto à concretização normativo-jurídica dessa lei que regulamenta a constituição. Isso não impede, porém, que se façam importantes observações quanto ao seu uso na prática. Não se pode deixar de mencionar que o instrumento da imposição do pagamento de imposto progressivo sobre imóveis que não cumprem a função social parece estar sendo usado apenas marginalmente. Nota-se também, em muitos casos, um profundo desconhecimento por parte dos magistrados dos princípios do direito urbanístico brasileiro, os quais se mostram refratários à idéia de compreensão da propriedade de imóveis como matéria também de direito público, e não apenas privado. Por outro, lado, pode-se dizer que seu texto tem sido utilizado não raro para garantir o direito à moradia e o acesso gratuito à justiça. Percebe-se também uma tentativa por parte tanto do Ministério Público, quanto dos prefeitos e vereadores de assegurar que o processo de aprovação e regulamentação dos Planos Diretores se dê nos termos da lei. A capacidade da sociedade civil organizada no Brasil, demonstrada no caso da reforma urbana, de organizar interesses, pressionar o sistema político, o sistema de direitos e o sistema econômico, de sobrepor a ação comunicativa à ação estratégica, é um sinal de que há naquele país condições políticas para a realização dos valores proclamados no texto constitucional. Certamente há muito que se avançar, porém os primeiros passos já parecem ter sido dados. Avritzer, L., (2002) Democracy and the public space in Latin America. Princeton: Princeton ____________ (2007) Urban Reform, Participation and the Right to the City in Brazil. Bassul, J. R. Reforma urbana e Estatuto da Cidade. EURE (Santiago). [online]. sep. 2002, <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S025071612002008400008&lng=es&nrm=iso>. Brasil, F. de P. D., (2004) Sociedade civil, espaços públicos e ação coletiva: reconstruções da agenda das políticas urbanas no Brasil dos anos 90. in: BRASIL, F. de P. D. 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