A PATENTE DO AÇAFRÃO: A APROPRIAÇÃO MONOPOLISTA DA CIÊNCIA, DO CONHECIMENTO E DA CULTURA Se há quem possa ter ficado intrigado com o título desta comunicação, é porque lhe passaram despercebidos os Relatórios do Desenvolvimento Humano de 2001 e 20041. Nessas insuspeitas publicações consta a informação de que o açafrão da Índia e o feijão enola do México foram objecto de registo de patente nos EUA (embora no segundo caso a patente viesse a ser anulada), respectivamente em 2002 e 1999. E porquê destacar esta questão relativamente marginal? O açafrão e o feijão enola já eram mercadoria muitos séculos antes de existir capitalismo. O que este registo e esta tentativa de registo de patente enunciam é um outro facto: o que o capitalismo transforma deste modo em mercadoria é, não o açafrão ou o feijão enola, mas o conhecimento secular, colectivamente gerado e preservado tradicionalmente por comunidades humanas, que conduziu à selecção e produção dessas espécies. Todos temos presente a afirmação do Manifesto de que a burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção. O capital monopolista não pode desenvolver-se sem tentar apropriar-se e tentar controlar segundo o seu próprio interesse o conhecimento, a ciência e a técnica, e assim tem sucedido ao longo de mais de um século. E esse é um dos aspectos em que as brechas abertas na hegemonia imperialista pelo campo socialista no passado e pela China no presente ganham uma particular relevância histórica. Já em 1916, na sua obra fundamental sobre o imperialismo, Lénine identificava argutamente os indícios desse processo: “o trust do tabaco, desde o próprio momento da sua fundação, consagrou inteiramente os seus esforços a substituir em todo o lado, e em grande escala, o trabalho manual pelo trabalho mecânico. Com esse objectivo adquiriu todas a as patentes que tivessem qualquer relação com a elaboração do tabaco, investindo nisso somas enormes. […] Em fins de 1906 foram constituídas duas sociedades filiais com o único objectivo de adquirir patentes2”. E Lénine adianta, mais à frente: “a concorrência transforma-se em monopólio. Daí resulta um gigantesco processo de socialização da produção. Socializa-se também, em particular, o processo dos inventos e aperfeiçoamentos técnicos3”. A detenção de patentes é um dos instrumentos da concentração monopolista do capital. Surge e evolui historicamente inteiramente a par com o processo de constituição do capitalismo monopolista. No período capitalista liberal os principais países capitalistas não só se recusavam a conceder patentes como se pirateavam mutuamente. Mas com a transição para o capitalismo monopolista, quando passaram de utilizadores a produtores líquidos de propriedade intelectual, passaram a formalizar e impor direitos e, em cada país, estritamente de acordo com os interesses do capital nacional. Por exemplo nos EUA a legislação sobre patentes data de 1850, mas
só em 1891 os EUA reconhecem direitos de autor a estrangeiros. Em alguns países europeus – França, Alemanha, Suíça – só foi completada a protecção padrão nos anos 60 e 70 do séc. XX, com sectores inteiros não cobertos. Nomeadamente na Suíça os da indústria química e farmacêutica, o que faz todo o sentido se considerarmos onde se localiza ainda a sede de empresas multinacionais que dominam esses sectores. Na obra citada, Lénine menciona o processo de concentração na indústria eléctrica alemã no início do séc.XX, passando de sete grandes grupos em 1900 a dois em 1912 (AEG e Siemens/Halske-Schuckert), e mesmo estes cooperando estreitamente desde 1908. E assinala o facto de que esse processo de concentração monopolista é também o processo de constituição de uma “gigantesca empresa combinada […] que produz os mais variados artigos, desde cabos e isoladores até automóveis e aparelhos de aviação4”, ou seja, de uma empresa que domina os processos e as técnicas de produção industrial mais avançados da época. O mesmo sucede com a General Electric nos EUA com a qual a AEG, que começara a sua actividade adquirindo a Edison a patente das lâmpadas eléctricas, está em condições de estabelecer em 1907 “um acordo de partilha do mundo”5. Aquelas que, segundo a expressão de Lénine, constituíam “gigantescas empresas combinadas”, são hoje muitíssimo mais gigantescas ainda. Se olharmos para a General Electric, é toda a extensão do colossal poder do capital monopolista que surge à nossa frente. O monopólio inicial das indústrias eléctricas expandiu-se em todas as direcções: à aeronáutica civil e militar (produzindo, nomeadamente, os motores que equipam os helicópteros Apache e os drones com os quais o imperialismo leva a cabo as suas actuais acções de guerra); à produção e distribuição de energia, desde a hidroeléctrica à nuclear; à actividade financeira, nomeadamente concedendo empréstimos e créditos em operações de leasing; às redes ferroviárias, ao software, ao tratamento e abastecimento de água; aos cuidados de saúde; aos média e entretenimento. Estas três últimas vertentes justificam algumas observações adicionais. Uma a de que, se analisarmos as áreas de actividade das maiores multinacionais seja qual for o seu núcleo de actividade de origem, existe hoje uma alta probabilidade de encontrarmos uma ou mais do que uma destas áreas: água, saúde, media. Outra, a de que o capital monopolista, depois de há muito controlar os fluxos de informação globais e os grandes meios de comunicação social, invadiu de vez a área da cultura mediática, incluindo aqui parte considerável da chamada cultura erudita. Não é demasiado arriscado afirmar que para os monopólios toda a produção intelectual que não seja apropriada como patente ou como mercadoria deveria ser incorporada como propaganda e como ideologia. Todos os anos a Art Review publica uma lista das 100 personalidades mais influentes no mundo das artes plásticas. Entre as primeiras da lista não se encontram artistas. Em 2008 a personalidade considerada mais importante era François Pinault, coleccionador de arte e também dono das Galerias Printemps
e La Redoute, da casa de moda Gucci, das Caves Chateau-Latour, do clube de futebol Reims, da Fnac e da leiloeira Christie’s, a maior empresa mundial do ramo que, com a Sotheby´s, domina o mundo das artes. Em 2009 François Pinault aparece num mais modesto mas ainda destacado 6º lugar, suplantado por curadores, críticos e proprietários de grandes galerias, ou seja, por outros que, de igual modo, garantem a estabilidade e o controlo financeiro e ideológico do mercado em causa6. Veja-se a área média e entretenimento da General Electric: inclui, nomeadamente, as televisões NBC, MSNBC, Telemundo; as produtoras Universal Studios e Universal Pictures; o USA-Network e o Weather Channel. Está, nesta área, associada à operadora por cabo Comcast, de cujo conselho de administração fazem parte membros ligados ao tristemente famoso Fannie Mae, à Motorola, à Pepsi-Cola, à Time Warner, ao Museu de Arte de Filadélfia, à Fundação Rockfeller, à Filarmónica de Nova York e à Sotheby´s. Assim, num único encadeamento, se estabelece uma rede de múltiplos laços que, sem surpresa, vão do drone comandado à distância que massacra uma aldeia pashtun, aos créditos tóxicos e à bela música de uma orquestra filarmónica, passando pela Pepsi-Cola. Que outro mecanismo tornaria possível o colossal embuste planetário que constituiu, tanto quanto se vai sabendo, a chamada “pandemia da gripe H1N1”? O resultado concreto encontra-se com toda a simplicidade no relatório de resultados da multinacional farmacêutica La Roche relativo ao primeiro semestre de 2010. Diz essa próspera empresa: “Na primeira metade de 2010 o Grupo teve um sólido desempenho operacional. As vendas cresceram 5% segundo as duas moedas consideradas (3% em francos suíços; 7% em dólares EUA) atingindo 24,6 mil milhões de francos suíços. […] O crescimento das vendas foi consideravelmente inferior aos 10% conseguidos na primeira metade de 2009, com um largo contributo do Tamiflu”. Assim, para que a La Roche obtivesse em apenas 6 meses de 2009 um volume adicional de vendas da ordem dos cerca de 2,5 mil milhões de francos suíços e outras multinacionais farmacêuticas obtivessem resultados semelhantes, a Organização Mundial de Saúde, governos nacionais, os grandes meios de comunicação social, personalidades tidas por cientificamente competentes, todos participaram nessa gigantesca operação de esbulho das famílias e dos dinheiros públicos. Este foi um caso mais, entre muitos. Se há área em que é brutalmente visível como a expropriação da ciência pelo capital monopolista constitui uma bárbara agressão contra a humanidade, essa área é certamente a da saúde, e em particular os medicamentos. É uma longa história: a penicilina, descoberta em 1928, só foi comercializada 15 anos mais tarde por desinteresse das multinacionais farmacêuticas. E só veio a interessá-las porque entretanto fora desencadeada uma guerra mundial, e a guerra abre boas perspectivas também para o negócio dos antibióticos7. Dos 1.223 novos medicamentos comercializados mundialmente entre 1975 e 1996, apenas 13 foram desenvolvidos para tratar doenças tropicais – e somente 4 foram resultado
directo da investigação da indústria farmacêutica8. A investigação sobre a vacina do HIV/Sida representa menos de 0,05% da despesa mundial em investigação sobre saúde, a investigação sobre a malária pouco mais 0,01%. Em África, onde o HIV/Sida tem a presença devastadora que é conhecida – 70% do total de infectados em todo o mundo -, o custo do tratamento com medicamentos retrovirais ao preço avaliado – em 2000 - de 10 a 12 mil dólares/doente, significaria no Quénia (2,1 milhões de infectados) 2,4 vezes o PIB do país, na Zâmbia 3,4 vezes, no Uganda 1,5 vezes9. Para Marx, o “desenvolvimento da ciência, esta riqueza ao mesmo tempo ideal e prática, é apenas um aspecto, uma forma pela qual o desenvolvimento das forças produtivas humanas, ou seja, a riqueza, aparece”10. E é na sua relação com a ciência que o capitalismo monopolista hoje se manifesta como o mais brutal factor que bloqueia esse desenvolvimento. Ao longo de século e meio o capital monopolista institucionalizou e levou tão longe quanto pôde um sistemático processo de apropriação do trabalho intelectual, monopolizando as áreas patenteadas (que podem ir dos genes aos sistemas de comércio electrónico), dificultando ou impedindo a inovação, transferindo o conhecimento tradicional para detentores privados, patenteando abusivamente criações comunitárias seculares11. As multinacionais são irrestritamente proprietárias dos resultados da investigação dos seus assalariados, condicionam a inovação ao seu interesse comercial e de domínio de mercados, dispõem de meios de prolongamento infinito das patentes, dispõem de um poder de intervenção com o qual os Estados se abstêm de competir e perante o qual as instituições públicas – subfinanciadas e esvaziadas de quadros – e as comunidades se apresentam desarmadas. Estão actualmente em vigor 6,7 milhões de patentes, das quais 48% foram concedidas pelos EUA e pelo Japão12. Mas os indicadores dos últimos anos apontam para uma presença crescente da China também neste âmbito, com uma aceleração exponencial a partir do final do séc.XX, ultrapassando Alemanha e Coreia e aproximando-se do Japão. No quadro da actual crise global, e enquanto nas maiores potencias capitalistas se verificam quebras significativas, duas empresas chinesas - ZTE e Huawei – apresentam a maior taxa de aumento de pedidos de registo de patentes entre 2008 e 2009/1013. Esta comunicação não tem a pretensão de atribuir significado a esta tendência. Mas se ela pudesse traduzir-se, de forma consistente, numa linha de acelerado desenvolvimento das forças produtivas que não se insira na lógica que o grande capital transnacional há século e meio impõe, então esse significado seria transcendente. Como o são, de há muito, os avanços alcançados pela investigação cubana em medicamentos, incluindo a primeira vacina para a meningite B e a recente vacina terapêutica para o cancro do pulmão, o CimaVax EGF. Creio que, para terminar, será útil regressar ao texto de Lénine que tem acompanhado esta comunicação, num aspecto que ganha acrescido significado no quadro da actual crise global do capitalismo. Refiro-me ao
capítulo VIII, em que Lénine analisa o que designa como o parasitismo característico do imperialismo. Aí surgem, com espantosa lucidez, aspectos estruturais na actual crise: o enorme crescimento do capital rentista, a passagem das grandes potências imperialistas de estados industriais a estados credores, o seu parasitismo em relação aos países economicamente dependentes. A esse parasitismo - que na época em que Lénine escreve se traduzia fundamentalmente no domínio monopolista dos mercados, no domínio colonial e na exportação de capitais, na agressão militar mobilizando ao seu serviço os próprios povos dominados, nos fluxos migratórios de força de trabalho oriunda dos estados devedores para os estados credores - juntaram- se ao longo do século XX e até ao presente outras expressões, das quais a mais destacada é provavelmente a atracção da força de trabalho mais qualificada no plano técnico e científico, a apropriação da investigação e desenvolvimento e da criação intelectual e científica gerada em países ainda periféricos. No início deste século, por exemplo, era esperado que 100.000 profissionais indianos altamente qualificados recebessem vistos de trabalho nos EUA, o que representaria para a Índia uma perda estimada em 2 mil milhões de dólares14. Lénine associa esse parasitismo à tendência para a estagnação e a decomposição do capitalismo. Identifica no monopólio capitalista a possibilidade económica de conter artificialmente o progresso técnico, e já vimos como essa previsão se confirmou. Quando ficamos - e justamente - deslumbrados com os espantosos progressos técnicos, culturais, científicos, artísticos alcançados ao longo dos últimos dois séculos, há uma realidade que devemos ter presente: é que eles teriam sido incomparavelmente mais espantosos, e ter-se-iam traduzido em gigantesco progresso para toda a humanidade se não se tivesse verificado uma capacidade de resistência do capitalismo aos seus próprios limites e contradições muito maior do que aquela que os nossos clássicos previam. Mas isso não altera um facto essencial. É na superação revolucionária do capitalismo, é na definitiva derrota histórica do imperialismo, é no caminho do socialismo que reside a emancipação e a realização plena de todo o potencial criador do trabalho humano, é no socialismo e no comunismo que reside o futuro da humanidade.
Notas: 1 Relatórios do Desenvolvimento Humano (RDH) 2001, Novas Tecnologias e Desenvolvimento Humano (nomeadamente pp.7 e 104) e 2004, Liberdade Cultural num Mundo Diversificado, publicados para o Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD). 2 Lénine, O imperialismo, fase superior do capitalismo, ed. Avante!, 2000, p.29. 3 Id. ibid. p.30. 4 Id. ibid. p.72. 5 Id. ibid. p.73. 6 Compreende-se facilmente a importância do controlo deste mercado, se se tiver em conta que o comércio mundial de bens culturais – cinema, fotografia,
rádio e televisão, material impresso, literatura, música e artes visuais – quadruplicou, passando de 95 mil milhões de dólares EUA em 1980 para mais de 380 mil milhões em 1998 (RDH 2004, p.86). 7 Ainda hoje perto de 2 mil milhões de pessoas não tem acesso à penicilina e a outros medicamentos essenciais. 8 RDH 2001, p.3. E o que aqui é apontado em relação à investigação sobre saúde verifica-se igualmente na investigação sobre agricultura ou sobre energia. 9 Id. ibid.p.106. 10 Marx, Grundrisse. 11 Um estudo de 2000 concluiu que tinham sido concedidas 7.000 patentes pelo uso não autorizado de conhecimento tradicional, ou pelo desvio de plantas tradicionais (RDH 2004, p.86) 12
http://www.wipo.int/export/sites/www/ipstats/en/statistics/patents/pdf/941_2010. pdf 13 Id. Ibid. 14 RDH 2001, p.4. * Co-editor de odiario.info
Director, Center for Drug Evaluation and Research SUBJECT: Decision on continued marketing of rosiglitazone (Avandia, Avandamet, I. Summary of Decision This memorandum documents my decision on the continued marketing of rosiglitazone (Avandia, Avandamet, Avandaryl). After considering the available data on the cardiovascular risks of the drug, I have determined that rosiglitazone may be pe
“Ask Dr. J” The “Ask Dr. J” columns are authored monthly by Jennifer Christian, MD, MPH, President of Webility Corporation. See previous columns at www.webility.md. Dr. J’s columns also appear in the monthly Bulletin of the Disability Management Employer Coalition (DMEC). To purchase a book of Dr. J’s collected columns, go to www.dmec.org. The columns often summarize iss