Influência das doenças periodontais sobre as cardiopatias coronarianas Tatiana Dalla Costa1Gilberto Ferreira da Silva Júnior2Marilisa Lugon Ferreira Terezan3Resumo O presente estudo teve por objetivo realizar uma revisão da literatura referente à associação entre infecções dentárias, mais especificamente a doença periodontal, e as cardiopatias coronarianas, apresentando dados epidemiológicos que sugerem essa associação, além dos potenciais mecanismos biológicos responsáveis por sua possível atuação como fator de risco. A análise dos trabalhos pesquisados nos permite concluir que, apesar de estar sugerida epidemiologicamente essa associação às condições cardiovasculares, a doença periodontal ainda não pode ser considerada como um fator de risco real para aquela. Foi concluído também que as possíveis explicações biológicas para tal associação podem estar relacionadas a um aumento da atividade trombogênica, dado pelo aumento da viscosidade sangüínea e maior agregação plaquetária frente a alguns patógenos periodontais presentes nas bacteremias, bem como da ação direta de algumas bactérias periodontopatogênicas na formação da placa aterosclerótica e de alguns mediadores inflamatórios aumentados na doença periodontal, os quais seriam também considerados como marcadores do risco periodontal. Palavras-chave: doenças periodontais; cardiopatias coronarianas. INTRODUÇÃO
As doenças cardiovasculares, especialmen-
sistêmico, caracterizado por uma resposta infla-
te as cardiopatias coronarianas, figuram entre as
matória e fibroproliferativa da parede arterial.
principais causas de óbito na sociedade contem-
porânea.1 As manifestações clínicas das
A causa da aterosclerose coronária não é
cardiopatias coronarianas (CC) incluem: morte
conhecida até o momento, mas parece estar ligada
cardíaca súbita, anginas de peito estável e instá-
a vários fatores de risco. Entre esses, os mais
vel, infarto agudo do miocárdio e insuficiência
freqüentemente mencionados são idade, sexo, his-
cardíaca congestiva. Essas manifestações resul-
tória familiar, nível lipídico no soro, dieta, hiper-
tam, mais freqüentemente, de aterosclerose nos
tensão, hábito de fumar e diabetes. Foi relatado
vasos coronários epicárdicos. A aterosclerose
que um único fator de risco não poderia ser res-
humana é um processo crônico, progressivo e
ponsável pelo desenvolvimento da aterosclerose,
1 Acadêmica do Curso de Especialização em Periodontia da Faculdade de Odontologia da UERJ. Rio de Janeiro - RJ2 Professor de Periodontia da FESO. Rio de Janeiro - RJ3 Coordenadora do Curso de Especialização em Periodontia da Faculdade de Odontologia da UERJ. Rio de Janeiro - RJ
Correspondência para / Correspondence to: Gilberto Ferreira da Silva Júnior Rua Engenheiro Ernani Cotem, 55/apto 203 –Tijuca. 20510-260. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. Tel.: (21) 2208 2125 / 9945 7136. E-mail: [email protected].
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sendo necessário uma associação de vários fatores
Estudos recentes consideram que a nature-
za infecciosa das doenças periodontais poderia pro-
Entretanto tais fatores de risco não expli-
duzir a injúria inicial desencadeadora da
cam a presença da aterosclerose coronária em um
aterosclerose, ou mesmo provocar o agravamento
grande número de pacientes – cerca de 1/3 – e as
do processo aterosclerótico pré-existente. Essas
infecções localizadas que resultam em reações in-
evidências foram sugeridas em estudos de coorte
flamatórias crônicas foram sugeridas como um dos
retrospectivo, transversais e caso-controle, realiza-
mecanismos que fundamentam a doença nesses
dos por Mattila e colaboradores (8, 9), De Stefano
e colaboradores (10), e Beck e colaboradores.(3)
Existe hoje, na literatura, uma série de fa-
Esses estudos verificaram que a associação entre as
tores sistêmicos inflamatórios e hemostáticos as-
condições bucais e aterosclerose é consistente em
sociados à doença cardiovascular. Níveis sangüíneos
diferentes amostras de populações, e também de-
elevados para proteína c-reativa (PCR), leucócitos,
monstraram que as condições bucais precedem os
fibrinogênio, fator de von Willebrand e outros fa-
tores inflamatórios têm sido freqüentemente rela-
cionados com alto risco para doença cardiovascular,
rante um período de 18 anos, que os níveis de
sendo considerados contribuintes para a formação
perda óssea alveolar estão associados à alta inci-
dência de doenças cardiovasculares fatais ou não,
A periodontite é uma infecção multifatorial,
causada por um grupo de bactérias gram-negati-
Segundo Joshipura (11), a saúde dental é
vas presentes na superfície dos dentes e no biofilme
um importante fator ou indicador de risco para
da placa bacteriana. A resposta do hospedeiro às
doenças cardiovasculares, quando associado com
infecções periodontais resulta em uma produção
diabetes, fumo, nível de colesterol elevado e vida
local de citocinas e mediadores biológicos, inclu-
sive interleucinas e prostaglandinas, bem como
Paunio e colaboradores (12) investigaram a
na indução da produção de anticorpos séricos,
associação entre o número de dentes perdidos e
doenças isquêmicas diagnosticadas, observando que
a perda dentária tem associação significativa com
bacteriana com as infecções periodontais, da na-
angina péctoris ou infarto do miocárdio, após o
tureza crônica dessas doenças e da resposta local e
controle para os fatores de confusão.
sistêmica do hospedeiro ao ataque microbiano, é
Hujoel e colaboradores (5) avaliaram o ris-
razoável a hipótese de que essas infecções possam
co para doenças ateroscleróticas coronarianas em
influenciar a saúde geral e o curso de algumas do-
pessoas com periodontite, com gengivite e sem
enças sistêmicas. Assim sendo, diversos estudos
doença periodontal. Após ajustes para os fatores
têm buscado estabelecer a prevalência e os meca-
de risco conhecidos, os resultados desse estudo
não mostraram evidências de que a gengivite e a
cardiovasculares e as doenças periodontais.
periodontite estão associadas à doençacardiovascular. REVISÃO DE LITERATURA
elaboraram outro estudo (13), com a finalidadede determinar se indivíduos nos quais foi elimina-
da toda infecção dentária em potencial, ou seja,
aterosclerose começou a ser relatada ainda na
edentados, teriam o risco para doença cardíaca
década de 60. Embora sem grande valor estatís-
coronariana reduzido ao longo do tempo, em com-
tico em função do tamanho da amostra, o tra-
paração com portadores de periodontite. Os re-
balho de Mackenzie e Millard (7) reportou a
sultados indicaram que a eliminação das infecções
primeira indicação de uma possível associação
dentárias crônicas não levou a um decréscimo do
entre aterosclerose e doença periodontal.
risco para eventos de doença cardíaca coronariana.
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(15) Herzberg (17) relatou que a PAAP poderia
interagir com as plaquetas circulantes, provo-
periodontal com doenças cardiovasculares, alguns
cando tromboembolismo e causando anormali-
estudos experimentais começaram a ser realizados
com o intuito de esclarecer os possíveis mecanis-
mos biológicos responsáveis por essa associação.
tórios no sangue têm sido relacionados com o ris-
co para a doença cardiovascular, incluindo a PCR
bilidade de que microrganismos da placa bacteriana
, o fibrinogênio, o TNF a e a IL-6. Esses marcadores
participem na patogênese da aterosclerose. Dessa
podem ter seus níveis de concentração sorológica
forma, alguns estudos têm identificado microrga-
influenciados pela doença periodontal.
nismos como Actinobacillus actinomycetemcomitans,
Bacteróides forsytus,Porphyromonas gingivalis,
associação entre a doença periodontal e alguns
Streptococus sanguis e Prevotella intermedia nas pla-
fatores de risco para a doença cardiovascular:
colesterol total, lipoproteína de alta densidade-
colesterol, PCR e fibrinogênio. O estudo con-
a presença de vários agentes infecciosos em amos-
cluiu que a saúde periodontal precária estaria
tras de placas ateroscleróticas de 33 espécimes
associada com níveis aumentados de colesterol
da carótida humana. O autor detectou a pre-
total, PCR e fibrinogênio, o que poderia expli-
sença de Porphyromonas gingivalis (42%) e
car, em parte, a ligação entre a doença
Streptococus sanguis (12%), entre outros micror-
periodontal e o aumento do risco para a doença
ganismos, concluindo que os agentes infeccio-
sos podem alterar a função celular vascular, po-
Loos e colaboradores (19) constataram que
a periodontite resulta num aumento do nível
aterosclerótica, predispondo à ruptura da placa
sistêmico de PCR, de IL-6 e de leucócitos. Essa
e, dessa forma, desencadeando uma síndrome
elevação dos fatores inflamatórios pode intensi-
coronária aguda ou infarto isquêmico agudo.
ficar a atividade inflamatória nas lesões
ateroscleróticas, aumentando potencialmente o
hipotetizaram que os patógenos periodontais
risco para eventos cardíacos e cerebrovasculares.
bacteriemias transitórias, onde podem ter pa-
flamações e as infecções poderiam induzir a
pel no desenvolvimento e na progressão da do-
produção de PCR, levando a um significante
impacto no risco cardiovascular. Por ser a doen-
ça periodontal um dos tipos mais comuns de
Porphyromonas gingivalis induziria inflamação
inflamação ou infecção crônica, é notável que
sistêmica e aterosclerose em porcos. Os dados
várias análises epidemiológicas tenham conclu-
desse estudo mostraram evidências de que
ído que existe correlação entre as doenças
bacteriemias recorrentes com Porphyromonasgingivalis induziriam a inflamação sistêmica e a
formação do ateroma, num modelo que imita a
periodontal que poderia explicar a associação
entre as doenças periodontal e cardíaca diz res-
peito à hipercoagulabilidade sangüínea. Sabe-
limite entre a relação direta e indireta do risco
se que a viscosidade sangüínea aumentada pode
que a doença periodontal representaria para a
promover doença cardíaca isquêmica importan-
aterogênese diz respeito à agregação plaquetária.
te e derrames, por aumentar o risco de forma-
A agregação das plaquetas é induzida pela pro-
ção de trombos. O aumento nos níveis de
teína de agregação-associação de plaquetas
fibrinogênio e da contagem de células brancas,
(PAAP), a qual se expressa em algumas cepas de
bem como elevações significativas no fator VIII
Streptococus sanguis e Porphyromonas gingivalis.
de coagulação – fator de von Willebrand – es-
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tão relacionados à hipercoagulabilidade
amostras de populações, e que as condições bu-
cais precederiam os eventos coronarianos.
fibrinogênio e leucócitos em pacientes com
tais conclusões sem perder de vista as limitações
gengivite e periodontite e, no grupo-controle,
metodológicas referentes a esses trabalhos. Um
com saúde bucal. Esse estudo indicou que indi-
exemplo disso é a falta de padronização entre os
víduos com infecção gengival ou periodontal têm
critérios adotados para determinação e avalia-
significativa elevação nos níveis de fibrinogênio
e leucócitos, comuns às doenças de natureza
inflamatória crônica. Já é conhecido que esse
encontrado relação entre doença periodontal e
processo leva ao aumento relativo do risco de
doença cardiovascular, alguns trabalhos não ob-
servaram associações significativas entre as do-enças em questão. (5, 11, 13)
Além da preocupação por parte dos pes-
DISCUSSÃO
quisadores em esclarecer a possível relação entrea doença periodontal e a doença cardiovascular,
alguns estudos experimentais começaram a ser
conceitos centenários, segundo os quais as do-
desenvolvidos para buscar esclarecer os possí-
enças bucais poderiam influenciar o curso de
veis mecanismos biológicos responsáveis por essa
algumas condições patológicas sistêmicas. Um
grande número de estudos científicos tem bus-
Dessa forma, tem sido avaliada a possível
cado esclarecer a possível relação entre as doen-
participação de patógenos periodontais especí-
ças periodontais e as doenças cardiovasculares.
ficos em alterações circulatórias, e a hipótese
Entretanto, ainda há necessidade de se compro-
aceita de que tais patógenos entram na corrente
var se a associação entre o quadro bucal e a con-
sangüínea refere-se às bacteriemias transitórias.
dição sistêmica se expressaria realmente em um
(16) Assim, na presença de infecções mais seve-
nível de relação causal, se ocorreria apenas por
ras do periodonto, um número muito maior de
simultaneidade, ou se refletiria apenas certa
microrganismos ganharia acesso à circulação.
suscetibilidade comum, que colocaria o pacien-
te também em risco para tais condições
sistêmicas, e, entre elas, mais especificadamente,
ateromatosas, diversos trabalhos têm relatado a
presença de Porphyromonas gingivalis, Bacteróidesforsytus , Actinobacillus actinomycetemcomitans ,
aterosclerose começou a ser relatada ainda na
Prevotella intermedia e Streptococus sanguis. (14,
década de 60. Embora sem grande valor estatís-
tico em função do tamanho da amostra, o tra-
balho de Mackenzie e Millard (7), de 1963,
tes infecciosos poderiam influenciar a morfologia
reportou a primeira indicação de uma possível
da placa aterosclerótica, por alterar a função ce-
associação entre aterosclerose e doença
lular vascular e desencadear, dessa maneira, uma
síndrome coronária aguda ou infarto isquêmico
A partir de fins da década de 80, diversos
agudo. Outra possibilidade estudada referente
estudos confirmaram a hipótese da associação
à atuação direta dos microrganismos sobre o
cardiovascular. Essas evidências foram sugeridas
bacteriemias recorrentes por Porphyromonas
em estudos com os seguintes desenhos: coorte
gingivalis poderiam induzir a inflamação
retrospectivo, transversal e caso-controle. (3, 7,
sistêmica e formação do ateroma em porcos. (14)
8, 9, 10, 12) Nesses estudos, foi verificado que
A agregação plaquetária possui um papel
a associação entre as condições bucais e
fundamental na trombogênese, e a maioria dos
aterosclerose seria consistente em diferentes
casos de infarto agudo do miocárdio parece ser
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precipitada por tromboembolismo. Tem sido
higiene oral precária.(19, 21) Desse modo, a
sugerido que bacteriemias transitórias, origina-
infecção periodontal promoveria aumento na
das por infecções orais ou periodontais, poderi-
viscosidade sangüínea e trombogênese e, por
am induzir à agregação plaquetária. Algumas
conseguinte, um aumento no risco da doença
cepas de Streptococus sanguis e Porphyromonasgingivalis expressam uma proteína designadaPAAP, capaz de causar agregação de plaquetas. (17)
CONCLUSÕES
elucidar a associação entre as doenças
Através da análise da literatura estudada,
periodontais e a aterosclerose refere-se aos efei-
tos indiretos ou mediados pela resposta do hos-
condição periodontal, parece estar fortemente
cardiovasculares. De acordo com Fong (4), al-
associada com as cardiopatias coronarianas de-
guns marcadores inflamatórios no sangue têm
sido relacionados com o aumento para doença
2. Apesar da comprovação da associação,
cardiovascular, como a PCR, TNF-a e a IL-6.
os estudos disponíveis não fornecem evidência
epidemiológica convincente para uma relação
sistêmicos também podem ter seus níveis
causal entre as doenças periodontais e as
periodontal. Estudos recentes têm mostrado
3. As bases biológicas capazes de explicar
aumento no nível da PCR em pacientes com
tal associação ainda não estão elucidadas por
doença periodontal (18, 19, 20) e que níveis
completo, embora existam evidências de que
elevados da mesma proteína estão associados com
patógenos periodontais poderiam atuar sobre a
o aumento do risco de isquemia recorrente, po-
placa ateromatosa, evocando alterações celula-
res e moleculares, e facilitando o seu desenvol-
aterosclerótica coronariana isquêmica.
acúmulo excessivo de placa bacteriana poderia
infecção periodontal que poderia explicar a as-
também provocar um aumento na viscosidade
sociação entre as doenças periodontal e cardíaca
sangüínea e na agregação plaquetária, com con-
diz respeito à hipercoagulabilidade sangüínea.
Níveis elevados de fibrinogênio plasmático, cé-
lulas brancas e do fator de von Willebrand re-
imunológicos, em especial IL-6 e PCR, pare-
sultam no aumento da viscosidade sangüínea.
cem ter seus níveis sorológicos aumentados na
(21) Estudos indicam que indivíduos com do-
presença de doença periodontal. Esses têm sido
ença periodontal apresentam fibrinogênio e, de
considerados como marcadores para o risco
um modo geral, a contagem de células brancas
cardiovascular e poderiam, portanto, explicar a
aumentada, bem como elevações significativas
possível relação entre as duas doenças.
do fator de von Willebrand em indivíduos com
Influence of periodontal diseases on coronary heart disease Abstract The aim of this paper was to accomplish a review of the literature concerning the association between dental infections, specifically periodontal disease and coronary heart disease, presenting epidemiological data that suggest this association, as well as the potential biological mechanisms responsible for its possible action as
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a risk factor. The analysis of researched data allows us to conclude that, despite its association to cardiovascularconditions being epidemiologically proved, periodontal disease may not be considered as a real risk factor tothat one. It was also concluded that the possible biological explanation to such association should be relatedto an increased thrombogenic activity, provided by an enhanced blood viscosity and platelet aggregation,related to some periodontal pathogens present in bacteremia, as well as to the direct action of periodontalpathogens in the formation of atherosclerotic plaque and some inflammatory mediators increased inperiodontal disease, which would also be considered as periodontal risk markers.Keywords: periodontal diseases; cardiovascular conditions. REFERÊNCIAS
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