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Lou Marinoff ataca os psicólogos e psiquiatras por considerarem os seres humanos “animais doentes”
“Estão a denegrir a humanidade”
E se os seus problemas quotidianos pudessem ser resolvidos através de aconselhamento filosófico? Esta é a
proposta de Lou Marinoff. Em entrevista ao JANEIRO, o autor do célebre «Mais Platão, menos Prozac»
falou-nos do método socrático de interpelação e justificou a ruptura com a American Society for Philosophy,
Counseling and Psycotherapy (ASPCP) com a necessidade de os conselheiros filosóficos serem representados

e supervisionados por uma organização profissional.
Rui Almeida
Quando é que começou a utilizar a filosofia como uma forma de ajudar as
pessoas a resolverem os seus problemas do dia-a-dia?

Desde a adolescência que utilizo a filosofia na minha vida. Mas como forma de
ajudar as outras pessoas foi só a partir de 1991.
De que forma é que o aconselhamento filosófico o pode fazer?
Todas as pessoas têm uma filosofia de vida, um filósofo dentro delas. Não se trata de seguir determinado
filósofo, mas de descobrir as nossas afinidades com eles. E para isso requere-se a ajuda de um profissional, um
conselheiro filosófico.
Uso o método socrático de interpelação, através do qual consigo descobrir o que se passa com essa pessoa. Claro
que essas perguntas variam consoante a situação em que ela se encontra. Da mesma forma que, quando uma
pessoa está doente vai a um médico, quando alguém decide ir ter com um filósofo é porque algo na sua vida não
está bem. A partir daqui tem de perceber qual é o problema e a forma como o pode solucionar. No entanto, não
trabalho como um médico que faz um diagnóstico. É diálogo. Através do qual descobrimos aquilo em que essa
pessoa acredita, os seus princípios, o modo como vê a vida. E depois podemos fazer alguns ajustamentos.
Transforma-se a realidade, ou então muda-se a mente.
Isso não significa que os psicólogos e psiquiatras não sejam necessários?
Não. Mas significa que nem todos os problemas na vida são do âmbito psicológico ou psiquiátrico. Ninguém
neste mundo consegue traçar uma linha capaz de separar claramente psicologia, psiquiatria e filosofia. É muito
difícil fazer uma distinção de preto e branco. O mundo não é assim. Mas, por vezes, é simples perceber que a
pessoa necessita de aconselhamento psiquiátrico. Nesses casos, obviamente, não utilizo a filosofia para ajudar
essa pessoa. Mas o que muitas vezes constato é o tratamento de problemas filosóficos por parte de psicólogos e
psiquiatras. Tudo o que não é claro nesta distinção tem de ser discutido, explorado.
Alguns especialistas criticam-no porque afirmam que a sua única intenção é denegrir a psiquiatra e a
psicologia clínica, em vez de oferecer alternativas.

Os meus livros estão cheios de alternativas. Não estou a denegrir, mas a oferecer um importante criticismo. De
acordo com eles, somos animais doentes. Eles é que estão a denegrir a humanidade. Estou, simplesmente, a
tentar defender o ser humano.
A filosofia é, tradicionalmente, entendida enquanto reflexão acerca de grandes problemas da existência.
Algo bastante diferente daquilo que podemos classificar como problemas quotidianos…

Aristóteles perspectivou dois tipos de filosofia. O que estamos a fazer hoje não é nada de novo. Por um lado,
temos a filosofia que se reporta a pensamentos elevados, metafísicos. Pelo outro, algo que é frequentemente
esquecido, a sua prática, que é o que fazemos. Ou seja, utilizar a filosofia no nosso dia-a-dia.
No entanto, essa atitude não significa a banalização da filosofia?
O vocabulário que utilizo é mais simples ou mais complexo dependendo das pessoas com que estou a conversar
ou a ensinar filosofia. Da mesma forma que não se ensina filosofia a um estudante universitário como o fazemos
a alunos mais novos. Mas isto não significa banalização.

E por que não outras formas de terapia?

Se uma pessoa se sente melhor quando escreve poesia, então deve faze-lo. A filosofia é uma hipótese, nunca a
única.
Que significa o processo que denominou como PEACE?
É uma espécie de metodologia, que usamos com os nossos clientes. É a maneira de sabermos o que se passa com
eles. Primeiro temos de descobrir de que tipo de problema se trata. Depois temos de utilizar as suas respostas
emocionais de uma forma construtiva. Segue-se a análise, mas ela não é suficiente. Tem de ser completada com
a contemplação, mas num contexto filosófico. E se tivermos sucesso a este nível, o nosso cliente percebeu algo
de muito importante e conseguiu chegar a um estado de equilíbrio.

Utilizou a designação cliente e não paciente. Porquê?
Paciente tem conotações com algo que é do domínio médico. O que sugere automaticamente um tratamento
desse tipo. Cliente, pelo contrário, traduz uma relação profissional. Aristóteles dizia que os filósofos tinham
pacientes.

Qual a razão da ruptura com a ASPCP?

Porque a ASPCP é académica.

E você não é um académico?

Sou, mas precisamos de mais do que isso. Necessitamos de uma associação profissional. Da mesma forma que
os futuros médicos vão para uma universidade de medicina realizar os seus estudos e, no entanto, depois têm de
contactar com a realidade. Ou seja, necessitam de prática. O mesmo acontece com os conselheiros filosóficos. E
eles têm de ser representados por uma associação profissional.

Quais as capacidades que um conselheiro filosófico deve ter para exercer essa função?

Possuir uma bagagem teórica não é suficiente. Mas ela é necessária para entendermos o nosso objecto de estudo.
A licenciatura em filosofia não é suficiente para sermos conselheiros filosóficos. Podemos ir a uma livraria e ler
livros sobre medicina, no entanto, não somos médicos. Porquê? Porque precisamos de prática, de sermos
supervisionados por uma organização profissional. APPA representa os profissionais, mais do que os
académicos.

Qual a razão para não utilizar os ensinamentos da filosofia marxista?
A filosofia marxista é nociva. Embora os marxistas digam que ela nunca foi correctamente implementada. O
comunismo só resulta em pequenas comunidades. Mas o planeamento centralizado da economia falhou na ex-
União Soviética e continua a falhar em Cuba, onde as pessoas vivem em condições terríveis. E não é por causa
do embargo norte-americano, mas sim porque eles não produzem. Porquê que a China se tornou mais próspera?
Porque abriram a sua economia, apesar de terem alguma supervisão de um estado totalitário. Contudo, a sua
economia está mais permissiva através da utilização do modelo ocidental.
Marx tinha razão quando apontou os grandes problemas do capitalismo no século XIX, das muitas pessoas que
sofriam por causa desse sistema económico. No entanto, talvez o capitalismo hoje necessite de alguma
compaixão, de preocupações sociais, que possibilitem às pessoas terem a sua oportunidade. Mas o comunismo
puro nunca resultou.
No entanto, o marxismo significou uma esperança no futuro para muitas pessoas. Algo que é muito
importante para a nossa vida quotidiana. Concorda?

Por vezes, é melhor não ter esperança. A esperança é algo que nos remete para o futuro. E espero, sobretudo, que
não se esqueça o presente. O hoje é mais importante que o ontem e do que o amanhã. O que Marx nos ofereceu
foi uma ideia de irmandade baseada na igualdade, mas isto não é esperança. É algo para ser conseguido hoje.
Esta é uma boa ideia marxista. Mas Marx não foi o único filósofo a legar-nos uma ideia de igualdade. No
entanto, ele defendeu-a na base de uma revolução agressiva. Algo que nunca resultou. A violência nunca é a
solução.
Alguma vez experimentou Prozac?
Nunca. Nos anos 60 existiam drogas muito melhores [risos].
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Aconselhamento divide especialistas portugueses
“Filosofia é uma alternativa utópica”
A Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico (APAEF) foi criada em
2004 no Gabinete de Mestrados do Departamento de Filosofia na Universidade Nova de
Lisboa.
Jorge Dias, presidente da APAEF e professor convidado da Universidade de Sevilha, aponta
a “promoção” da filosofia e da ética na vida das pessoas e o seu “alargamento” para as
instituições como as duas principais razões para a criação da associação à qual preside. O
número reduzido de conselheiros filosóficos em Portugal é, na opinião do presidente, fruto da “novidade” da área que, só a partir de 2005 começou a ter “maior visibilidade” nos meios de comunicação social. No entanto, segundo o mesmo, a filosofia sempre foi “praticada”, nomeadamente através da publicação de livros e da realização de conferências. A novidade, no entendimento de Jorge Dias, reside no facto de a intervenção agora ser feita através de uma “relação directa”. Contudo, aquilo que separa este tipo de intervenção daquela que é
feita noutras áreas sociais reside nas “competências filosóficas”, ou seja, na “racionalidade” colocada ao serviço
da organização das emoções, na promoção da auto-crítica e da distanciação em relação aos problemas em
análise.
Posição cartesiana
No entanto, a controvérsia entre os associados da APAEF e os profissionais das áreas limítrofes está longe de ter
acabado. Luís Araújo, professor de filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, reconhece que a
“filosofia aplicada” pode ser “positiva” se entendida num “plano geral”, ou seja, como “transformação geral da
sociedade”. “Hoje existe uma conjuntura difusa para esmagar a autonomia da vontade que se reflecte num poder
homogeneizante”, afirma. Contudo, o professor manifesta uma “posição cartesiana de dúvida metódica” em
relação ao aconselhamento filosófico”. “É feito tipo confessionário? Através da leitura de bons ensaios?”,
questiona. O método teorizado e aplicado por Jorge Dias, designado como «Project», utiliza as “competências”
do existencialismo e da fenomenologia. “Foi uma época histórica que condensou uma análise detalhada da
existência humana”.
Separar águas
Miguel Bragança, psiquiatra e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, considera a
filosofia uma “alternativa utópica”, pois, “boa parte das pessoas não tem instrumentos de análise interior”. Pelo
contrário, Jorge Dias não concorda com a ideia de que o ser humano nasça “vazio”. “Nascemos com
potencialidades que podem ser desenvolvidas”, defende.
No entanto, o psiquiatra afirma que a separação entre a saúde e a doença deve estar nas mãos da psiquiatria, já
que esta, muito mais que a filosofia ou a psicologia, “trata doentes”. “Todos temos dúvidas filosóficas, mas isso
não significa que sejamos doentes”, afirma. Além disso, Miguel Bragança sublinha que um diagnóstico só é feito
depois de um “amplo” conhecimento da doença. “O facto de ser uma ciência permite que a experiência possa ser
repetida por outro sem que isso altere o resultado”. Ao nível metodológico, Jorge Dias considera o
aconselhamento filosófico uma ciência. Na opinião do filósofo o mesmo não se pode aplicar à “prática e
teorização”. “O cliente é sempre visto como único”. Algo que, segundo Jorge Dias, difere da psiquiatria, pois, ao
fim de “poucas” sessões o paciente é “categorizado”. “Para nós é como se cada pessoa originasse um sistema
filosófico único”, afirma. A separação entre saúde e doença, segundo o filósofo, não passa por um conhecimento
de “todas as áreas do saber”, mas pela percepção dos limites de cada área científica. “Quando o meu saber não é
suficiente, encaminho o cliente para outro especialista. É o mesmo que faz um médico de clínica geral”, afirma
Jorge Dias.
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Perfil
Lou Marinoff é professor de filosofia na Universidade de Nova Iorque. Este pioneiro do movimento pró-
filosófico na América do Norte, premiado com vários galardões no decorrer da sua carreira, é também presidente
e fundador do American Philosophical Practitioners Association. Com pouco mais de 30 anos formou-se em
Física. Conseguiu, então, uma bolsa para realizar um doutoramento em filosofia da ciência na Universidade de
Londres. Depois de doutorado, aos 40 anos, começou a trabalhar na Universidade de Columbia Britânica, em
Vancouver, onde manteve ligações a um instituto de ética aplicada. O seu livro «Mais Platão, menos Prozac»
vendeu 500 mil exemplares nos Estados Unidos e está traduzido em 25 línguas.

Source: http://esfrldepfilosofia.no.sapo.pt/Marinoff.pdf

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