Relato de Caso: Doença Celíaca Recém-Diagnosticada Como Fator apresentação de caso Agravante de Osteoporose em Mulher Idosa Camila C. Pereira Pedro Henrique S. Corrêa
Mulher de 63 anos procurou endocrinologista para seguimento deosteoporose. Densitometria óssea revelava T
Alfredo Halpern
g/cm2). Em uso de cálcio e vitamina D há 2 anos. Hipotireoidismo há 5anos em uso de levotiroxina. Introduzido alendronato 70 mg/semana comganho significativo de massa óssea no primeiro ano (6,1%, igualmente emcoluna e colo de fêmur). Após 5 anos de seguimento, paciente passou aapresentar emagrecimento, anemia e piora dos níveis densitométricos(perda de 12,6% em coluna lombar e 20,9% em colo de fêmur). Anamnese revelou quadro de diarréia intermitente há 2 anos, levando àsuspeita de doença celíaca. Pesquisa de anticorpos anti-gliadina e anti-endomísio resultou positiva: 25,3 U/mL (< 20) e 1/5 U/mL (VR: negativo),respectivamente. Bioquímica óssea mostrava cálcio e fósforo normais, pa-ratormônio aumentado: 283 pg/mL (10–65) e marcadores de reabsorçãoóssea aumentados, sugerindo hiperparatireoidismo secundário àsíndrome mal-absortiva. Após 1 ano de dieta isenta de glúten, houvemelhora dos sintomas mal-absortivos e importante aumento de DMO(47,3% em coluna lombar e 31,6% em colo de fêmur), reforçando o
diagnóstico de doença celíaca como fator agravante de osteoporose
nesta paciente. (Arq Bras Endocrinol Metab 2006;50/6:1127-1132) Descritores:
Osteoporose; Doença celíaca; Hiperparatireoidismo
secundário; Síndrome mal-absortiva; Cálcio
ABSTRACT Case Report: Recently Diagnosed Celiac Disease as Aggravating Factor of Osteoporosis in Old Woman. Sixty-three-year-old woman requested medical attention for osteoporosis. Bone densitometry revealed: T
= -2.4 SD (BMD: 0.716 g/cm2). She has been
in calcium and vitamin D supplementation for 2 years. She informed a 5- year-history of hypothyroidism in levothyroxine replacement. Alendronate sodium 70 mg/week was initiated with significant increase in BMD in the first year (6.1% equally in spine and femoral neck). After a 5-year follow-up, the patient presented with weight loss, anemia and decrease in BMD (12.6% in spine and 20.9% in femoral neck). Clinical history revealed intermittent diar- rhea episodes for 2 years and the hypothesis of celiac disease was sus- pected. Anti-gliadin and anti-endomysium antibodies were positive: 25.3 U/mL (< 20) e 1/5 U/mL (RV: negative), respectively. Bone biochemical parameters revealed normal levels of calcium and phosphate, increased parathyroid hormone: 283 pg/mL (10–65) and increased levels of bone reabsortion markers, consistent with secondary hyperparathyroidism in response to malabsorptive syndrome. One year after gluten-free diet, patient improved of malabsorptive symptoms and gained BMD (47.3% in spine and 31.6% in femoral neck), confirming the hypothesis of celiac dis- ease as aggravating factor of osteoporosis in this patient. (Arq Bras Endocrinol Metab 2006;50/6:1127-1132)
Arq Bras Endocrinol Metab vol 50 nº 6 Dezembro 2006
Relato de Caso: Osteoporose e Doença CelíacaPereira, Corrêa & HalpernKeywords: Osteoporosis; Celiac disease; Celiac
de reposição com levotiroxina 125 mcg/dia. Encontrava-
sprue; Secondary hyperparathyroidism; Malabsortive
se em bom estado geral. Peso inicial: 43,5 kg. Altura:
1,51 m. Índice de massa corporal: 19,1 kg/m2.
A avaliação densitométrica inicial revelou
densidade mineral óssea (DMO) de 0,766 g/cm2
ADOENÇA CELÍACA ESTÁ entre as patologias gastroin- (índice T= -3,5 DP) em coluna lombar (L1-L4) e
testinais mais freqüentes e possui quadro clínico
0,716 g/cm2 (índice T= -2,4 DP) em colo de fêmur,
bastante variável, sendo comuns formas subclínicas ou
confirmando o diagnóstico de osteoporose. A fosfatase
silentes. A osteoporose é uma de suas complicações mais
alcalina sérica era normal: 137 U/L (50–250 U/L) e
freqüentemente encontradas, podendo ser a única ma-
a dosagem de cálcio na urina de 24 h revelava
nifestação. Descreveremos, a seguir, o caso de uma pa-
hipocalciúria: 22 mg/24h (0,5 mg/kg/24h, VR: 2–4
ciente de 63 anos, cujo quadro prévio de osteoporose
mg/kg/24h), apesar do uso regular da suplementação
foi agravado por doença celíaca. A partir do diagnóstico
de cálcio e vitamina D. Creatinina sérica: 0,7 mg/dL
e com a adoção de dieta isenta de glúten, houve melho-
(0,6–1,0 mg/dL). Hemoglobina (Hb): 12,2 g/dL
ra significativa dos índices densitométricos.
(12,0–15,5 g/dL). Valor corpuscular médio (VCM):84,0 fL (82,0–98,0 fL). Foi iniciado tratamento comalendronato de sódio 70 mg 1 vez/semana. RELATO DO CASO
Após 1 ano do início da terapia com alen-
dronato, a densitometria óssea revelava DMO de
Paciente de 63 anos, feminina, branca, menopausada
0,813 g/cm2 e 0,760 g/cm2 em coluna lombar e co-
desde os 55 anos, nunca tendo feito uso de terapia de
lo de fêmur, respectivamente, correspondendo a um
reposição hormonal estrogênica. Procurou serviço de
aumento significativo de 6,1% em coluna e 6,1% em
endocrinologia para avaliação e seguimento de
osteoporose. Vinha em uso de cálcio (1.000 mg de
A paciente foi seguida por 5 anos sempre com
cálcio elementar/dia) e vitamina D (400 UI/dia) há 2
difícil controle do hipotireoidismo, necessitando doses
anos. Referia, ainda, hipotireoidismo de início há 5 anos
elevadas de levotiroxina (3–3,5 mcg/kg). Os níveis
após radioiodoterapia para tratamento de hipertire-
densitométricos mantiveram-se estáveis neste período
oidismo por bócio uninodular tóxico em uso de terapia
Gráfico 1. Evolução da densidade mineral óssea e PTH ao longo do acompanhamento.
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Relato de Caso: Osteoporose e Doença Celíaca
A partir de então, a paciente começou a
Dois anos após início da dieta, os níveis de PTH
apresentar quadro de emagrecimento lento e pro-
eram ainda menores: 110 pg/mL (10–65 pg/mL),
gressivo (5 kg ao longo de 3 anos, aproximadamente),
compatível com melhora parcial do quadro de
anemia microcítica (Hb: 9,7 g/dL; VCM: 64,0 fL) e
hiperparatireoidismo secundário, e houve ganho
queda dos índices densitométricos (DMO coluna
significativo de massa óssea em coluna (+ 4,9%), mas
lombar e fêmur: 0,710 g/cm2 e 0,601 g/cm2, res-
não em colo de fêmur (-8,4%) (DMO coluna lombar e
pectivamente, correspondendo à perda de 12,6% em
colo de fêmur: 1,098 g/cm2 e 0,724 g/cm2,
coluna lombar e 20,9% em fêmur), apesar da manu-
amplamente investigada, porém a única anormalidade
DISCUSSÃO
encontrada foi hepatomegalia homogênea à ultras-sonografia de abdômen.
A doença celíaca está entre as patologias gas-
Exames relacionados à bioquímica óssea
trointestinais mais comuns, com prevalência estimada
revelaram dosagem sérica de paratormônio (PTH)
aumentada: 283 pg/mL (10–65 pg/mL), níveis sé-
Nos últimos anos, houve grande avanço no
ricos de cálcio e fósforo normais, fosfatase alcalina
conhecimento desta patologia graças ao aprimo-
elevada: 324 U/L (50–250 U/L), dosagem de
ramento de marcadores sorológicos e o melhor enten-
osteocalcina no limite superior da normalidade: 10,4
dimento das bases genéticas da doença.
ng/mL (2,4–10,0 ng/mL), hidroxiprolina urinária
Hoje sabemos tratar-se de doença de apre-
elevada: 168 mg/24h (15–40 mg/24h) e função renal
sentação bastante variável, que vai desde as mani-
festações clássicas de dor abdominal e síndrome
Uma história clínica mais detalhada revelou
disabsortiva até sintomas inespecíficos e manifestações
queixa de episódios de diarréia intermitente havia
extraintestinais, como anemia ferropriva, infertilidade
cerca de 2 anos. Solicitada pesquisa de anticorpos anti-
e emagrecimento (2). Alterações do metabolismo ós-
gliadina e anti-endomísio que mostraram-se positivas.
seo, com repercussão na densidade mineral óssea, têm
Anticorpo anti-gliadina IgA (ELISA): 26,5 U/mL (<
sido descritas em grande número de casos e podem
20 U/mL). Anticorpo anti-gliadina IgG (ELISA):
representar a única manifestação da doença. Em
25,3 U/mL (< 20 U/mL). Anticorpo anti-endomísio
pacientes com doença celíaca recém-diagnosticada, a
(imunofluorescência indireta): 1/5 U/mL (VR:
prevalência de osteoporose é de aproximadamente
negativo). Diante do quadro sugestivo de doença
celíaca, a paciente foi orientada a manter dieta isenta
A doença celíaca caracteriza-se por inflamação
de glúten. A paciente não foi submetida à realização de
crônica da mucosa intestinal e atrofia vilosa de-
biópsia endoscópica de intestino delgado devido ao
correntes de resposta imunológica desencadeada por
quadro de emagrecimento importante e estado geral
antígenos ambientais (proteínas relacionadas ao glúten
presentes em grãos como trigo, centeio e cevada) em
Após 1 ano do início da dieta, a paciente apre-
indivíduos geneticamente predispostos (HLA-DQ2 e
sentava melhora do quadro malabsortivo com ganho
HLA-DQ8) (1). É freqüente a associação de doença
de peso de 8,5 kg, queda dos níveis de PTH: 174
celíaca com outras patologias auto-imunes como
pg/mL, (10–65 pg/mL), normalização da fosfatase
diabetes melitus tipo 1 (5,4–7,4% dos casos), doenças
alcalina: 168 U/L (50–250 U/L) e melhora sig-
auto-imunes da tireóide (5%) e alopécia aerata (2%).
nificativa dos parâmetros densitométricos (DMO
Também foram descritos casos de associação com
coluna lombar e colo de fêmur: 1,046 g/cm2 e 0,791
doença de Addison e hipofisite (2).
g/cm2, respectivamente, correspondendo a ganho de
Os marcadores sorológicos (anticorpos anti-
47,3% em coluna lombar e 31,6% em colo de fêmur)
gliadina, anti-transglutaminase e anti-endomísio) têm
sido usados no rastreamento diagnóstico da doença
Após o início do tratamento da doença celíaca,
celíaca. A pesquisa de anticorpos anti-gliadina IgA foi,
houve necessidade de redução na dose de levotiroxina
durante muitos anos, o teste de rastreamento de elei-
e controle mais estável do hipotireoidismo, sugerindo
ção, mas atualmente a pesquisa de anticorpos anti-
que o componente disabsortivo da doença estaria
transglutaminase e anti-endomísio tem mostrado me-
prejudicando também a absorção do hormônio
lhor sensibilidade e especificidade. Cerca de 2–4% dos
portadores de doença celíaca podem apresentar de-
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Relato de Caso: Osteoporose e Doença CelíacaPereira, Corrêa & Halpern
ficiência seletiva de IgA, resultando em diagnósticos
a massa adiposa e esta encontra-se freqüentemente
falso-negativos quando empregados testes baseados na
diminuída nestes indivíduos. Estudos comprovaram que
pesquisa de anticorpos IgA. A dosagem quantitativa de
portadores de doença celíaca ativa apresentam níveis
IgA, bem como a utilização de ensaios de anticorpos
reduzidos de leptina (13). Desta forma, o estado de
IgG, tem ajudado a contornar este problema. O
hipoleptinemia destes pacientes seria mais um fator que
diagnóstico de certeza requer o achado de atrofia vilosa
atuaria prejudicando a remodelação óssea. Sugai e col.,
em biópsia endoscópica de intestino delgado e resolução
estudando o soro de pacientes com doença celíaca, de-
do quadro após adoção de dieta isenta de glúten (2).
monstraram a presença de anticorpos contra estruturas
A osteoporose é uma das complicações mais
antigênicas de condrócitos e da matriz extracelular.
freqüentes da doença celíaca (1,4). West e cols.
Especula-se que estes anticorpos possam desempenhar
estudaram uma população de 7.550 pacientes entre 45
papel ativo na fisiopatologia das complicações ósseas
e 76 anos, dos quais 1,2% tinham anticorpo anti-
relacionadas à doença celíaca (14). Em alguns pacientes,
endomísio positivo. Nestes pacientes, houve aumento
a inatividade física, por fraqueza e comprometimento do
do risco de osteoporose, avaliado pela densidade
estado geral em função da doença, pode agravar a perda
mineral óssea [OR: 3.1 (95% IC 1,3–7,2)] (5). Apesar
da maior prevalência de osteoporose em portadores de
doença celíaca, permanece controverso se estes
pesquisa de osteoporose em indivíduos com doença
pacientes apresentam maior risco de fratura (1). Sabe-
celíaca. Alguns preconizam o exame para todos ao
se que pacientes com doença celíaca que apresentam
diagnóstico. Esta indicação faz sentido na medida em
sintomas clínicos de síndrome mal-absortiva têm
que a doença celíaca pode cursar com anos de mal-
quadros mais graves de osteoporose do que aqueles
absorção silente e, ao diagnóstico, um quadro de baixa
que apresentam quadro subclínico (4).
densidade mineral óssea já pode estar instalado, de
Os mecanismos que levam à perda de massa
forma que a detecção precoce seguida de tratamento
óssea são complexos e ainda não estão plenamente
adequado resultariam em maior recuperação da massa
compreendidos (6). Nuti e cols., estudando 24
óssea a longo prazo. No entanto, devemos considerar
mulheres com diagnóstico de osteoporose e anticorpos
que o rastreamento para todos os indivíduos ao
anti-gliadina e anti-transglutaminase positivos, mos-
diagnóstico, além de custoso, pode revelar a doença
traram que estas pacientes apresentam níveis de
em indivíduos jovens, em quem os efeitos terapêuticos
25(OH) vitamina D significativamente menores do
(redução do risco de fratura), bem como os efeitos
que as não-portadoras de anticorpos, além de níveis
colaterais a longo prazo, não são bem estabelecidos
significativamente maiores de PTH e marcadores
(15). A American Gastroenterological Association reco-
urinários de reabsorção. Estas evidências sugerem um
menda a densitometria óssea para todos os adultos
estado de elevada remodelação óssea em função de um
com doença celíaca, a ser realizada após 1 ano do
quadro de hiperparatireoidismo secundário decorrente
início de dieta isenta de glúten (3).
da má-absorção de cálcio e vitamina D (7). As
O tratamento da doença celíaca, através de dieta
deficiências de cálcio e vitamina D têm sido apontadas
isenta de glúten, é fundamental para a recuperação da
como os fatores mais importantes na patogênese da
massa óssea e prevenção de doenças relacionadas (6).
doença celíaca (8). O hipogonadismo, que pode estar
Pacientes na faixa etária pediátrica freqüentemente
presente por mecanismos auto-imunes ou pela própria
cursam com recuperação completa da densidade
desnutrição, é mais um fator que pode estar envolvido
mineral óssea após início da dieta (16). Em adultos, a
no processo (9,10). Estudos recentes apontam para a
recuperação da massa óssea é significativa, porém
presença de citocinas pró-inflamatórias, entre elas IL-
parcial, e o incremento mais importante ocorre no
1, IL-6 e o sistema TNF, que participam no processo
início do tratamento, especialmente no primeiro ano
auto-imune da doença e contribuem para o aumento
(1,3). Isto sugere que haja um potencial limitado de
da reabsorção óssea via ativação de osteoclastos (9).
ganho de massa óssea relacionado ao tratamento que
Atualmente sabe-se que a leptina desempenha papel
se exaure com o tempo, restando outros fatores, entre
ativo no processo de remodelação óssea (9). Recep-
eles os genéticos, a ingesta de cálcio e a idade da
tores de leptina são expressos por osteoblastos hu-
menopausa, que contam para a não-recuperação
manos e sua ativação leva à diferenciação destas células,
bem como à inibição da atividade dos osteoclastos por
São poucos os estudos de intervenção terapêutica
aumento da síntese de osteoprotegerina (11,12).
para osteoporose em portadores de doença celíaca. A
Sabe-se que a leptina correlaciona-se diretamente com
suplementação de cálcio e vitamina D tem sido pre-
Arq Bras Endocrinol Metab vol 50 nº 6 Dezembro 2006
Relato de Caso: Osteoporose e Doença Celíaca
conizada por muitos especialistas com base em suas
CONCLUSÃO
experiências pessoais, porém os estudos que avaliaram oimpacto desta suplementação na densidade mineral óssea
Descrevemos caso de doença celíaca em paciente idosa
são ainda bastante limitados. Ainda não há estudos que
tendo, como uma de suas manifestações, o agrava-
definam o papel da terapêutica com bisfosfonatos ou cal-
mento de quadro prévio de osteoporose, que respon-
citonina em pacientes com doença celíaca (6).
deu à dieta isenta de glúten com melhora significativa
Não há evidências suficientes que sugiram a
dos parâmetros ósteo-metabólicos e densitométricos.
pesquisa de doença celíaca em todas as mulheres pós-menopausadas com baixa densidade mineral óssea, já queestudos recentes apontam para o fato de que a prevalência
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This is an illustrative guide to the cytochrome P450 contribution to drug interactions likely for medication pairs that are substrates, inhibitors or inducers of the same enzyme. More than one-half of patients also carry genetic variations in CYP 1A2, 2C9, 2C19, and 2D6 genes that can dramatically alter patient drug exposures, and for which DNA testing can be ordered. The GeneMedRx drug int
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