A constituição revista

Parte III da Constituição
da República: Semipresidencialismo
“on probation”?
1. A arquitectura do poder político na Constituição em vigor: Na elaboração de um juízo estimativo sobre o que deve subsistir na “Organiza-ção do Poder Político” do Estado será indispensável ter como ponto de partida o modelo arquitectónico do mesmo poder, ou seja, o sistema político de governo.
O sistema português incorpora quatro traços estruturais do semipresidencia- i) Eleição do Presidente por sufrágio universal, como instrumento de reforço da ii) Diarquia institucional entre o Presidente da República e o Primeiro -Ministro, a qual acentua que o Presidente não chefia directa e formalmente o poder Executivo; iii) Dupla responsabilidade do Governo, perante o Presidente da República (respon- sabilidade institucional) e perante a Assembleia da República (responsabilidade política); iv) Livre de dissolução do Parlamento pelo Presidente da República, a qual se afigura como a mais decisiva competência “moderadora” do Chefe de Estado.
Importa agora definir qual o tipo de semipresidencialismo que vigora.
Para além da importância que releva do acervo dos poderes presidenciais (como é o caso da dissolução parlamentar, do veto político, da fiscalização preventiva da
constitucionalidade e da “magistratura de influências”), o factor mais determinante
para definir o pendor do sistema radica na maioria absoluta ou relativa que sustenta
o Governo no Parlamento e na relação entre a mesma e a maioria presidencial
. Essa
relação poderá ser de confluência (identidade política entre as duas maiorias) ou
de coabitação (distonia entre elas).
As maiorias parlamentares absolutas (monopartidárias ou em coligações homo- géneas) em cenário de coabitação apagam o protagonismo do Parlamento (cuja bancada maioritária fica submetida à liderança do Primeiro -Ministro) e reduzem A Constituição Revista, um e-book da Fundação Francisco Manuel dos Santos a iniciativa política do Presidente, embora acentuem os seus poderes de con-trolo (veto e fiscalização). O sistema semipresidencial assume, neste caso, pendor governativo ou primo -ministerial (cfr. Cavaco Silva de 1987 a 1995, de José Sócrates de 2005 a 2009 e de Durão Barroso de 2002 a 2004).
Já um governo minoritário em regime de coabitação acentua um maior pendor parlamentar do sistema, tal como passou a suceder no ciclo iniciado em 2009. Este pendor parlamentar também existe em versão atenuada (com maior equilíbrio Parla-mento/ Governo) em cenários de confluência com executivos quase -maioritários (Guterres entre 1996 -2002).
Se houver confluência entre o Presidente e a maioria parlamentar absoluta o sis- tema pode reforçar o pendor presidencial no caso de o Presidente ter um perfil de liderança carismática e interventiva e de o Primeiro -Ministro ser alguém da sua confiança (cenário que nunca ocorreu em Portugal até 2010). Mas se essa conjun-ção subjectiva entre os dois pólos da diarquia não ocorrer, despontará o risco de uma tensão institucional se os mesmos disputarem a liderança da mesma maioria polí-tica (cfr. nos anos setenta o duelo Giscard / Chirac). Contudo, caso o Presidente se resuma a uma actividade “notarial” ou a uma função discreta de moderação, o pendor do semipresidencialismo será governativo (cfr. período de 2005/2006 na relação de confluência Sampaio/Sócrates).
O sistema semipresidencial português assume, deste modo, uma geometria variável.
2. Opções de conservação e mudança da organização do poder político em sede de revisão constitucional 2.1. O sistema semipresidencialista posto à prova no ciclo político iniciado em
A entronização de um Chefe de Estado com legitimidade representativa própria, estatuto supra -partidário e poderes arbitrais e moderadores conta, ainda, com uma larga maioria de adeptos, recolhendo alguma tradição no constitucionalismo português. Cumpre, todavia, assinalar a posição dos que defendem a evolução do sistema para um parlamentarismo racionalizado, que atenue o papel do Presidente e do Parlamento e reforce a autonomia do Governo. Considera essa sensibilidade que o próprio semipresidencialismo de matriz francesa não foi concebido para cenários de coabitação e que esta, em Portugal, gerou uma exacerbada conflitua-lidade entre Presidente e Governo, servindo a função moderadora como arma política do Chefe de Estado para debilitar a maioria governante.
Assim, a coabitação tumultuosa entre Eanes e diferentes maiorias parlamenta- res trouxe no bojo a criação do PRD, um partido “eanista” que configurou um pro-jecto de poder. A coabitação Mário Soares  /  Cavaco Silva (1986/1995) envolveu uma estratégia do então Presidente para entorpecer reformas e debilitar o Governo de forma a beneficiar o regresso ao poder do PS, ameaçando a dissolução parlamentar, liderando convenções oposicionistas (Portugal Que Futuro?) e estimulando protes-tos de rua anti -governamentais através do “direito à indignação”. Também a coa-bitação Jorge Sampaio / Santana Lopes (2004) foi turbulenta, tendo o Presidente dissolvido o Parlamento depois de colocar um Governo apoiado por uma maioria parlamentar absoluta “sob tutela”. E mesmo a coabitação Cavaco Silva / José Sócra-tes, embora não tenha envolvido por parte do Presidente nenhuma das condutas análogas às dos seus antecessores, passou a ser algo tensa depois de 2008.
Por contraposição, em quadros de confluência, o exercício dos poderes presi-
denciais foi marcado pela escassa relevância do Presidente que se resumiu a fun-ções “notariais” (ciclo Sampaio / Guterres e Sampaio/Sócrates), que libertaram a acção política dos Governos.
Em face desta dialéctica, o futuro do semipresidencialismo jogar -se -á no ciclo político iniciado em 2011 e concluído em 2015, no qual os poderes arbitral e mode-rador do Presidente serão postos à prova no contexto de uma inédita crise económico -financeira.
Alguns cenários políticos poderiam militar em favor da conservação do sistema. Seria o caso daqueles que envolvessem uma maior intervenção do Presidente, em cooperação com o Governo, da qual resultasse a viabilização de políticas públi-cas eficazes e indispensáveis para uma reforma financeira, administrativa e social do Estado, sem quadros arrastados de conflitualidade com a maioria governativa como os que ocorreram entre 1991 e 1995. Seria, também, o cenário de uma pre-sidência escrutinadora, mas discreta, que não conflituasse com a acção de um Governo maioritário.
Pelo contrário, quer cenários de uma presidência puramente “notarial”, quer a irrupção de quadros de conflito institucional prolongado e insolúvel em tempo de grave crise poderão dar força, por volta de 2015, aos que alvitram uma mudança na governance política do Estado, caso se demonstre, respectivamente, que o poder moderador do Presidente é irrelevante, ou antes um factor permanente de atrito com o Executivo, em prejuízo da governabilidade. Semelhante mudança poderia passar por uma parlamentarização racionalizadora do mesmo sistema, através da eleição do Presidente pelo Parlamento, da limitação dos seus poderes de dissolu-ção parlamentar e de demissão do Governo e da atenuação do seu poder de veto.
Será por tudo isto que o desempenho do mandato presidencial nos próximos cinco anos será determinante para a subsistência ou mudança dos pilares do sis-tema político.
2.2. Opções de mudança no sistema político a considerar em próxima revisão
constitucional ordinária
2.2.1. Uma questão prévia: a subsistência da revisão constitucional iniciada em 2010Atenta a composição do Parlamento eleito em 2009, a revisão constitucional ini-ciada em 2010 não parece reunir consensos objectivos que permitam alterar os A Constituição Revista, um e-book da Fundação Francisco Manuel dos Santos pilares do sistema político e muitas das normas obsoletas da Constituição Econó-mica e Social.
Neste sentido, ou não haverá revisão constitucional (o que seria desejável, já que diferiria o reinício do processo para um futuro não distante onde a geografia parlamentar possa ser diferente) ou a revisão limitar -se -á a ajustes espúrios em matéria regional e de Justiça e bloqueará a hipótese de uma revisão de fundo para os próximos cinco anos. Daí que as linhas de mudança que propomos se reportem a uma revisão constitucional nascitura, marcada uma composição parlamentar diferente da actual.
2.2.2. Principais linhas de força
A. O reforço de condições mínimas para a formação de governos maioritários
A ineptidão de um governo minoritário poder enfrentar o impacto de uma pro-
funda crise que afecta a solvabilidade financeira do Estado e o seu modelo social
exige alterações que favoreçam executivos maioritários estáveis, como as que se
passa a mencionar.
a) Possibilidade de o Presidente poder dissolver a Assembleia da República
excepto nos três últimos meses do seu mandato.
A inibição colocada ao Presidente para dissolver o Parlamento nos últimos
seis meses do seu mandato constituiu um factor de grave bloqueio do sistema, já que, se a crise orçamental de 2010 tivesse tido um desfecho negativo, o Presidente não teria podido antecipar eleições em caso de demissão do Governo e de impos-sibilidade de formação de outro Executivo alternativo. O Presidente deve, assim, poder dissolver, excepto nos três últimos meses do seu mandato que coincidem com o tempo imediatamente anterior e posterior à eleição presidencial.
b) Criação de condições para a formação de maiorias absolutas
monopartidárias
Um agravamento na qualidade técnica e política dos deputados poderia acentuar--se caso viesse a ser introduzido um sistema eleitoral misto com uma componente de círculos uninominais, o qual favoreceria o ingresso de caciques locais dos par-tidos, de caudilhos regionais e de notabilidades autóctones ligados ao futebol. Por outro lado o sistema alemão, de onde foi retirado esse paradigma, falhou no seu desiderato de evitar a dispersão de votos, encontrando -se hoje representados seis partidos no Bundestag.
Sustentamos, assim, que o número mínimo de deputados seja reduzido para cento e cinquenta e um e que a menção aos círculos uninominais seja retirada, mantendo -se o sistema da média mais alta de Hondt, complementado por uma lei eleitoral que subdivida os maiores círculos eleitorais, como os de Lisboa e do Porto, em círculos menores, de forma a concentrar a representação nas grandes formações partidárias, favorecendo governos maioritários.
B. Revalorização e agilização da democracia referendária
Existe uma tendência para uma certa asfixia do sistema político através de uma
democracia representativa excessivamente tributária de directórios partidários,
ganhando o processo de decisão com a revalorização do referendo.
O art.º 115.º da CRP bloqueia o carácter vinculativo dos referendos nacionais (pois em nenhum dos realizados até ao ano de 2010 votou mais de metade dos eleitores) e permite a desvalorização da iniciativa popular, já que todas as “pro-postas” referendárias oriundas dos cidadãos (75 000 assinaturas) foram rejeitadas pela Assembleia da República.
Sugere -se que os cidadãos possam propor directamente ao Presidente da República a convocação de um referendo. E propugna -se que este seja vinculativo se for votado por 35% dos eleitores, recusando -se os projectos de revisão de 2010 que permitem, por absurdo, que o resultado seja obrigatório mesmo que vote apenas 1% do eleitorado.
C. Reforço do estatuto de independência das entidades reguladoras
da Economia
Impõe -se por termo à governamentalização das entidades reguladoras da econo-
mia traduzida na faculdade de o Executivo as criar por decreto -lei e de as crismar
como“independentes”, apesar de deter o exclusivo da nomeação dos seus titulares
e de as sujeitar à sua tutela.
A regulação económica exige uma alta taxa de neutralidade dos superviso- res que devem possuir um estatuto de independência substancial, e não apenas semântica. Os titulares dos seus órgãos executivos deverão, pois, ser indigitados pelo Governo e nomeados pelo Presidente da República, volvido um processo de audição em comissão especializada a funcionar junto do Parlamento e composta por deputados e juízes do Tribunal de Contas.
Como pressupostos da sua independência deve garantir -se a irresponsabili- dade política e a inamovibilidade dos titulares, salvo por razões ligadas a viola-ção grave dos respectivos deveres legais, carecendo a sua destituição de prévia proposta do Governo e decisão favorável do Presidente da República, ouvida a referida comissão especializada.
2.2.3. Precisões pontuais nos poderes de alguns órgãos de soberania A. Presidente da República
a) Forças Armadas
Encontrando -se quase obsoleto o instituto da declaração de guerra (acto da com-
petência presidencial) parece não fazer sentido que a liberdade para decidir sobre
o envolvimento de contingentes das forças armadas em teatros de operações no
estrangeiro se encontre integralmente governamentalizada. Sustenta -se, assim,
A Constituição Revista, um e-book da Fundação Francisco Manuel dos Santos que qualquer decisão do Governo sobre esse mesmo envolvimento seja autori-zada (ou confirmada ex post em caso de especial urgência) pelo Chefe de Estado, como comandante supremo das Forças Armadas b) Actos presidenciais
Sugere -se a supressão do inútil instituto “notarial” da referenda ministerial e a
consagração explícita, por razões lógicas, do “veto qualificado” do n.º 3 do art.º
136.º para as leis aprovadas por dois terços dos deputados.
B. Assembleia da República
i) Reforço dos poderes de fiscalização
A Assembleia da República deve ser reforçada como órgão fiscalizador no tocante
à formação das políticas europeias do Governo, à execução Orçamental e ao con-
trolo das contas do Estado e demais entes públicos.
ii) Limitação do exercício da competência legislativa na concretização das leis
O Parlamento, sempre que disponha da competência para aprovar leis de bases ou leis -quadro, deve limitar o seu poder legislativo à edição das normas de prin-cípio dessas bases e abster -se de as desenvolver, devendo essa função concreti-zadora ser cometida apenas ao Governo e às Assembleias Legislativas Regionais. Isto, sem prejuízo da subsistência da competência de apreciação parlamentar dos decretos -leis de desenvolvimento.
iii) Eleição de juízes do Tribunal Constitucional
Tendo em vista o reforço da independência dos membros do Tribunal Constitu-
cional, entende -se que o número dos juízes conselheiros eleitos pela Assembleia
da República deveria ser reduzido de dez para sete, sendo a competência para a
designação dos três outros que presentemente elege cometida a um Conselho
Superior de Justiça, resultante da fusão dos conselhos superiores das magistratu-
ras judiciais.
Bibliografia Elementar
ARAÚJO, António de -Tsamaras, C. “Os poderes Presidenciais nas Constituições Grega e Portuguesa – O Direito”, 2000 -III -IV.
CANAS, Vitalino “Sistema Semi -Presidencial” – “Dicionário Jurídico da Adminis- tração Pública” , 1.º Supl. , 1998.
CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, “Os poderes do Presidente da República” , FRAIN, Maritheresa “Relações entre o Primeiro -Ministro e o Presidente em FREIRE, André - Pinto Costa, “O Poder Presidencial em Portugal”, Lisboa, 2010.
MIRANDA, Jorge, “A Experiência portuguesa de sistema semipresidencial”, MORAIS, Carlos Blanco de, “Le Metamorfosi del Semipresidenzializmo Porto- ghese”, AAVV , Semiprezidenzialismi, Padova , 1997 NOVAIS, Jorge Reis, “Semipresidencialismo”, Coimbra , Vol. I, 2007PEREIRA, André Gonçalves, “O Semipresidencialismo em Portugal”, Lisboa, 1984.
OTERO, Paulo, “Direito Constitucional Português”, II, Coimbra, 2010SARTORI, Gionanni, “Ingenieria Costituzionale Comparata”, Bologna, 1998.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, “O Sistema de Governo Português”, Lisboa, 1992.
Carlos Blanco de Morais Professor Associado com agregação da Faculdade de Direito de Lisboa, onde rege as disciplinas de Direito Constitucional e Direito Internacional Público. Exerce desde 2006 o Cargo de Consultor para os Assuntos Jurídico--Constitucionais da Presidência da República, desenvolvendo ainda actividades de jurisconsulto. Desempenhou entre 1993 e 2006 funções de Consultor-Principal da Presidência do Conselho de Ministros e exerceu, ainda, o cargo de vogal do Conselho Superior da Magistratura eleito pela Assembleia da República e Administrador não Executivo da Portugal Telecom SGPS.
Este artigo é parte integrante de A Constituição Revista, um e-book da Fundação Francisco Manuel dos Santos As opiniões expressas neste e-book são da exclusiva responsabilidade dos seus autores e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos. A autorização para reprodução total ou parcial do texto deve ser solicitada aos autores e editor.
Rua Tierno Galvan, Torre 3, 9.o J1070-274 Lisboa Fundação Francisco Manuel dos Santos

Source: http://view-development.com/upload/docs/efc2e52b-75ee-412b-9deb-04076e27c552.pdf

apm.org.mx

Addressing the Underlying Causes of Treatment Resistance perspective and a proliferation of than they were a quarter of a century stantial y is that as the pendulum has safer, more tolerable, and perhaps ago.1 Treatment resistance remains a swung from a psychodynamic uring the past 2 decades, psy- more effective treatments. Despite serious problem across psychiatric framework to a biological o

Print

My previous illnesses are negligible. In June 1990 I was 28 years old. I found a pea sized lump in my right testis. There was almost immediate denial/shock – an ‘it will go away’ attitude. Every day became a compulsive routine – knowing it was growing – no pain – living with this thing. Apart from the size I did not let it affect my day – I had successfully blocked it out of my s

Copyright ©2010-2018 Medical Science