A PASTORAL DA SAÚDE E A DEFESA DO CORPO
Lembrando Jr 30,13 – “Ninguém cuida das feridas do meu povo”-, Frei Luiz Augusto de Mattos da Ordem dos Agostinianos, professor de Teologia Moral no Rio de Janeiro, conclama os agentes da Pastoral a serem verdadeiros “apóstolos da saúde”, buscando lutar por uma convivência social que dignifique o corpo e o valorize.
Hoje, o agente da saúde é convocado a assumir a defesa dos corpos do nosso povo. Diante
de um povo que sofre a agressão permanente, violenta, sistemática e generalizada – na sua grande maioria – não se pode vacilar em agir em prol da promoção e da garantia do direito à vida e aos meios básicos para a vida, que favorecem a integração, a recuperação, a beleza, a dignidade. do corpo.
Ser conivente com os experimentos e as manipulações, com as explorações e as
dominações, com as discriminações e os abandonos, que empobrecem as vidas corporais que vivem em meio à morte, é opor-se ao projeto de Deus para toda a humanidade. Toda vida corporal está destinada pelo Deus da vida a crescer em direção a uma maior plenitude. A própria Escritura nos fala desse projeto: “Que todos tenham vida e a tenham em abundância “(Jo 10,10). Por isso, o Criador não se alegra com a negação de uma vida salva: digna, libertada, fraterna, participativa, alegre. Onde os deuses da morte violam, expropriam e assassinam a vida do povo de Deus, o Deus cristão espera e anseia pela justiça (ou libertação integral – cf. Puebla 321; 475) a favor desse seu povo pobre e empobrecido. Assim, todo serviço no campo da saúde deverá des-legitimar e resistir às ideologias e os mecanismos que diminuem, abortam, reprimem ou destroem a vida corporal da nossa gente. Toda vida ameaçada e aniquilada clama por uma presença de defesa por parte do agente. A covardia é também companheira de toda idolatria assassina.
Mas por que tanta preocupação com o corpo? A credita-se que o corpo (pessoa e coletivo) é
a primeira e grande realidade de onde se justifica o trabalho do agente da saúde. Não há dúvida que se encontra um temor em relação ao corpo – “somos assombrados pelo medo do corpo. Talvez porque saibamos que tudo, no corpo, grita contra o domínio. Todo corpo grita por liberdade e prazer” ( R. Alves). Contudo, partir do corpo é trabalhar e acreditar pela sua redenção; é compreender e acolher nele a “criação como profundamente boa”; é lutar pela sua dignificação ou libertação integral; é conquistar uma convivência social onde a igualdade ou justiça dos corpos seja valorizada e contemplada etc. Todo corpo subjugado, partido, violentado, oprimido, reprimido, alienado, adoentado. é uma ofensa a Deus e um desafio interpelador à Pastoral da Saúde. O Criador não criou corpos para se distinguirem entre: bonitos e feios, bem cuidados e sacrificados, justiçados e explorados, sãos e manipulados. Essas diferenças não se fundamentam n’Ele, mas no pecado da omissão, da injustiça que pouco a pouco destrói a “imagem e semelhança” que deverá transparecer em cada filho de Deus. É a lógica das relações humanas e sociais que expropriam e excluem a vida salva. E mais: se todo homem é o seu corpo, sem ele não se vive ou não se faz nada. Na verdade, viver e conviver é ser digna e livremente nosso corpo, porque, se não somos nosso corpo, porque, se não somos nosso corpo, é não vivemos: é a morte ou a “morte em vida”. Daí o corpo – recipiente e exigência da vida – cobrar permanentemente garantia de vida.
Tudo indica que a Pastoral da Saúde é chamada a evangelizar pela serviçalidade de acolher
e resgatar os corpos caídos à beira do caminho. Os “últimos da terra” não podem continuar sendo destruídos ou manipulados em seus corpos frágeis e desprotegidos – urge assumir uma solidarização de defesa dos “bem-aventurados”. É um compor-se com as lutas e trabalhos que optam pela afirmação incondicional à vida e ao público incondicional à injustiça que destrói ou nega a corporalidade do ser humano. Não se pode esquecer que “o corpo é o lugar da presença do ser humano ao mundo e a sua história” ( H. Lepargneur). Sendo assim, o agente da saúde não pode
abandonar um compromisso que transforme toda essa realidade anti-vida. Caso contrário toda a ação não passará de uma prática vivencial que seja mero reflexo de uma consciência de um coração de um sistema sem consciência e sem coração, cuja única preocupação é lucrar em cima das vidas cadavéricas do nosso povo. É o corpo servindo de meio e fim lucrativo para os “capitalistas da saúde”.
É importante que, em qualquer frente de serviço no campo da saúde (hospital, centro
comunitário de saúde, movimentos em prol da saúde etc.), o agente se destaque como “apóstolo da saúde”, que luta contra tudo que negue o crescimento do projeto de Deus na sociedade – onde todos poderão nascer, crescer, viver e conviver na justiça do Pai Eterno.
AIDS, AZT E EMOÇÕES.
A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), final inexorável do decurso da
infecção causada pelo HIV (vírus da Imunodeficiência humana), é atualmente, no Brasil e em muitos outros países, gravíssimo problema no campo da saúde pública. Os enormes percalços devidos a esse processo mórbido têm nexo com disseminação ampla e incontrolada, prevenção que depende de medidas dificilmente obedecidas por grande número de pessoas e evolução para a morte, em face à atual inexistência de recursos terapêuticos eficientes.
É fácil compreender, diante do exposto, que essa maldição suscite inúmeras controvérsias,
promova decisões alicerçadas várias vezes em estados emocionais plenos de conturbação e, até mesmo, torne indispensável rever conceitos éticos, legais e normativos em diferentes esferas.
Agora, mais um aspecto polêmico está em foco. Trata-se da disponibilidade de
medicamento tido como representativo de algum avanço no âmbito da terapêutica da infecção pelo HIV e, subseqüentemente, da AIDS. Refiro-me à azidotimidina, ou zidovudina, de forma abreviada mencionada como AZT, e, no comércio, conhecida como «Retrovir».
A AZT não é substância nova. Ela foi sintetizada em 1974 e destinava-se ao tratamento do
câncer, mas falhou nesse campo e passou para o domínio público, ou seja, qualquer empresa poderia usá-la sem nada pagar pela fórmula, que originalmente era de propriedade da «Burroughs Wellcome Co.» Quando ficou percebida a expressividade da AIDS, a partir de 1984, começaram programas destinados a evidenciar drogas eventualmente curativas, e o Instituto Nacional de Câncer (INC), dos Estados Unidos da América, entre outros órgãos, estimulou pesquisas nesse terreno, tendo elas revelado atividade por parte da AZT. O INC, a titulo de cooperação, cedeu á «Burroughs Wellcome Co.» todo o estoque de timidina que possuía, realizou os testes iniciais, coordenou a aplicação experimental e gastou cerca de US$ 100 mil mensais para distribui-la. Paralelamente a isso tudo, o trabalho de comunicação aos médicos americanos e a organização de conferências para discussões acerca do remédio foram efetuados pelo governo.
Sucede que, solenemente, nesse contexto, a «Burroughs Wellcome Co.» conseguiu patente
junto à repartição oficial competente. Depois, quando os estudos praticados em seres humanos revelaram certa utilidade da AZT, pressões causadas pela maneira rápida como a doença se alastrou levaram a «Food and Drug Administration» (FDA) a dispensar prazos e avaliações mais prolongados para lançamento no mercado americano.
Nessa etapa, afirmaram os dirigentes da «Burroughs Wellcome Co.» que a empresa gastou
quase USS 80 milhões. Dizem autoridades americanas que, na verdade, a quantia não suplantou
USS 30 milhões. Como cerca de 10 mil pessoas estão tomando a AZT presentemente, a firma em apreço poderá ganhar US$ 100 milhões até março deste ano de 1988.
As poucas averiguações realizadas até o momento, em indivíduos com PRÉ-AIDS ou
AIDS, evidenciaram que a AZT pode prolongar a vida durante alguns meses, reduzir o risco e a severidade de infecções oportunistas, melhorar a imunidade, manter o peso corporal, tornar menor o número de sintomas e propiciar melhor estado geral. Em contrapartida, desencadeia anemia e gera depressão granulocitica, exigindo maior número de transfusão de sangue, sendo que esses efeitos colaterais adversos afiançam que o remédio não é inócuo.
Decisões referentes á utilização da AZT devem, presentemente, ficar definidas no Brasil. A
respeito, é simples constatar que inadequações e desdouros ocorreram ou são presumíveis, convindo por isso alertar governantes e a comunidade, a fim de prevenir sensíveis impropriedades e prejuízos.
Mas elas já sucederam, tais como venda de produto contrabandeado, exploração através da
cobrança de valor bem superior ao estipulado no exterior, e por si só muito elevado, indicações indevidas, inclusive por médicos que obtiveram a droga por mecanismos anormais e venderam-na irregularmente, ausência de pesquisas desenvolvidas no Brasil e aptas a permitir indispensável experiência, além de difusão exagerada de virtudes da substância em veículos leigos de divulgação.
A «Burroughs Wellcome Co.» não colocou a AZT à disposição de componentes médicos
brasileiros, para a efetivação de observações clínicas, como é costumeiro. Para alguns profissionais interessados informou ser muito escasso o medicamento e só existente para possibilitar limitadas análises terapêuticas no exterior. Por outro lado, amparou a criação de imagem de composto capaz de merecer descabida esperança, favorecendo clima propicio para comercialização. Aliás, o setor de marketing dessa firma demonstrou, mais uma vez, sutileza com o aciclovir («Zovirax»), bastante útil para debelar modalidades graves do herpes «simples», agiu habilidosamente, valorizando prescrição inaceitável, relacionada com o tipo labial ou genital recidivante, sem suficiente respaldo cientifico existencial, a despeito das ponderações de especialistas competentes.
Decidir como usar a AZT no Brasil, neste instante, é inegável problema. Enfermos e
familiares, entidades que congregaram homossexuais e médicos, sem unanimidade, são exemplos de eventuais influências na deliberação, que precisa ser exageradamente cautelosa e sensata, com alicerces em ponderações científicas, assistenciais e econômicas, sem desrespeito a fatos realísticos.
A AZT, exuberantemente cara, exige prescrição durante longo período, é responsável por
sérios efeitos adversos, depende de justa supervisão médica especializada durante o tratamento e só oferece em algumas oportunidades bons resultados transitórios. Colocada à venda, mesmo sob receituário controlado, permitirá com certeza a concretização de irregularidade, entre as quais ouso lembrar posologias erradas, indicações indevidas, acidentes iatrogênicos, negócios clandestinos e falsificações, pois outros eventos, inclusive menos angustiantes, dão base para essa expectativa.
Os doentes com AIDS hoje morrem inexoravelmente, e o atendimento a eles propiciado,
duradouro e custoso, é somente caridoso e humanitário, apesar de praticado por meio de inúmeros remédios e medidas, sobretudo destinados a enfrentar as afecções oportunísticas. A deficiência de leitos hospitalares está patente e diariamente ficará agravada, desde que recursos materiais na área da saúde não têm conexão exclusiva com a AIDS e afiguram-se comumente escassos. É fácil entender, portanto, que dispêndidos implicam em conveniência de levar em conta objetividade e comedimento.
Vendida em farmácias, á AZT terão acesso os abonados e não os pobres, remediados e
outras pessoas da comunidade em geral. Depender de verbas governamentais é atitude criticável, se rememorarmos que essa substância proporciona benesse fugaz. Eu defenderia posição diferente
dessa, caso as virtudes fossem mais ponderáveis e duráveis, capazes de mudar sensivelmente o panorama atinente á terapêutica da AIDS.
Emoção, pressão advinda de estado de espírito conturbado e lucratividade para «Burroughs
Wellcome Cc.» não são suficientes para justificar propósitos de validade duvidosa para o interesse coletivo. Vicente Amato Neto é superintendente do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, chefe do Departamento de doenças Infecciosas e Parasitárias, da mesma Faculdade, e diretor do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo.
BRASIL: ÍNDICES E SAÚDE DA POPULAÇÃO.
A estatística, longe de ser mera coleção e apresentação de dados numéricos e gráficos,
constitui a ciência de tomar decisões face ao aleatório, ou seja, dos acontecimentos tornados imprevisíveis pela grande multiplicidade de fatores responsáveis pelo seu aparecimento. Um conceito básico em estatística será o de probabilidade, sobre cujas noções baseamos nossas decisões quando queremos prever o resultado de um jogo ou quando queremos decidir qual de dois tratamentos é mais eficiente.
Infelizmente, no Brasil, as estatísticas são falhas por uma série de motivos que exporemos
neste trabalho. Por essa razão, e também porque a saúde nunca foi prioridade a nível político (assim como a educação), temos um Brasil que é um grande hospital.
Os dados que permitiram este trabalho vêm do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas), através dos Anuários Estatísticos do Brasil. Para a visão panorâmica em 1985, usamos os dados do Anuário Estatístico do Brasil-1986. I EXTENSÃO E POPULAÇÃO (1985) 1. EXTENSÃO O Brasil tem uma superfície total de 8.511.965 km2, e é subdividido em cinco grandes regiões: 1.1. Região Norte: 3.581.180 km2, representando 42,07% da superfície do Brasil. A região Norte é composta de: Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. 1.2. Região Nordeste: 1.548.672 km2, representando 18,20% da superfície do Brasil. É composta de: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Fernando de Noronha, Sergipe e Bahia. 1.3. Região Sudeste: 924.935 km2, representando 10,86% da superfície do Brasil. É composta de: Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo. l.4. Região Sul: 577.723 km2, representando 6,79% da superfície do Brasil. É composta de: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. 1.5. Região Centro-Oeste: 1.879.455 km2, representando 22,080% da superfície do Brasil. É composta de: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal. 2. POPULAÇÃO
Segundo o Anuário Estatístico do Brasil, IBGE-1986, o Brasil tinha uma população total de
135.564.400 habitantes e uma densidade demográfica de 15,9 habitantes por km2, repartida nas cinco grandes regiões da seguinte maneira: 2.1. Região Norte: 7.652.500 habitantes, representando 5,65% da população total do Brasil, e com uma densidade demográfica de 2,13 habitantes por km2.
2.2. Região Nordeste: 39.005.200 habitantes, representando 28,77 % da população total do Brasil, com uma densidade demográfica de 25,18 habitantes por km2. 2.3. Região Sudeste: 59.134.200 habitantes, representando 43,62% da população total do Brasil, e com uma densidade demográfica de 63,93 habitantes por km2. 2.4. Região Sul : 20.688. 700 habitantes, representando 15,26% da população total do Brasil, e com uma densidade demográfica de 35,81 habitantes por km2. 2.5. Região Centro-Oeste: 9.083.800 habitantes, representando 6,70% da população total do Brasil, e com uma densidade demográfica de 4,83 habitantes por km2. II INDICADORES 1. O REGISTRO DE NASCIMENTO 1.1.
Conceito e finalidades - A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida. É aceito hoje, quase que unanimemente, o conceito de nascido vivo dado pela Organização Mundial da Saúde, segundo o qual «é o produto da concepção que, independente da duração da gravidez, depois de expulso ou extraído do corpo da mãe, respire ou dê qualquer outro sinal de vida, tais como: batimentos cardíacos, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, quer tenha ou não sido cortado o cordão umbilical, esteja ou não desprendida a placenta».
Todo nascimento vivo deve, por exigência legal, ser registrado. A principal finalidade do
registro de nascimento é fazer prova do estado das pessoas. É usado ao entrar para a escola, ao candidatar-se ao exercício de funções públicas, para o exercício do direito de voto. Sua utilidade jurídico-social é inegável: é ao mesmo tempo uma forma de defesa e um elemento de garantia. Para o Estado, é de grande importância, tanto do ponto de vista sanitário quanto daquele social ou econômico. Nos estudos de população, é usado para determinar o crescimento natural demográfico ou vegetativo, traduzido pelo excesso de nascimento sobre óbitos. Enorme valor atinge no campo da saúde. O número de nascidos vivos em um determinado ano é importante para qualquer planejamento materno infantil, para o cálculo de vários coeficientes, entre os quais o de mortalidade infantil, um dos mais sensíveis índices das condições de saúde de um povo. Também os programas de imunização contra as doenças da infância têm nos registros de nascimentos «valiosos elementos de controle e orientação de seus trabalhos pela possibilidade de se verificar, efetivamente, se as crianças estão sendo, nas épocas próprias, devidamente protegidas contra aquelas doenças». 1.2. Obrigatoriedade- Obriga a lei dos Registros Públicos em seu artigo 50 que «todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro no Cartório do lugar em que tiver ocorrido o parto, dentro de quinze dias, ampliando-se até três meses para os lugares distantes da sede dos Cartórios mais de trinta quilômetros e sem comunicações ferroviárias». 2. O PROBLEMA DO SUB-REGISTRO DE NASCIMENTO 2.1. Conceito - Considera-se sub-registro toda omissão de registro de determinado evento. 2.2 . Influência nos coeficientes Vitais - A omissão do registro de nascimento, ou seja, o sub-registro, influi alterando todos os coeficientes vitais que envolvem em seu cálculo o número de nascidos vivos, quer no numerador, quer no denominador. Pode-se dizer que faz aumentar o coeficiente de mortalidade infantil, mortalidade neo-natal, mortalidade perinatal, nati-mortalidade, mortalidade materna. Por outro lado, faz diminuir os coeficientes de natalidade geral, de fertilidade e o Índice vital de Pearl. 2.3. Vários são os fatores que podem condicionar a ocorrência do sub-registros de nascimentos, entre eles:
2.3.1. Aspecto monetário - Parece representar fator de grande importância. A impossibilidade de pagar o registro aparece como causa exclusiva e também associada ao desconhecimento da obrigação legal. Atualmente, os registros são tabelados, existindo, no entanto, a gratuidade para aqueles que comprovarem estado de pobreza, o que poderia indicar não ser o fator monetário causa preponderante do sub-registro. 2.3.2. Filiação ilegítima - São considerados filhos ilegítimos todos aqueles provenientes de pais não casados. Poder-se-ia pensar que um dos fatores que estivesse favorecendo a omissão de registro fosse o medo, por pane da família, de que o fato de ser a criança ilegítima viesse a constar de seu registro. Isto, entretanto, não tem fundamento, uma vez que, por lei de 1941 – lei de Proteção à Família -, a resposta ao quesito sobre ser a filiação legitima ou não vai constar apenas do livro de registro e não da certidão que vai ser fornecida à família. 2.3.3. Falta de tempo - E fator que pode ser apontado, mas não justificado, uma vez que os cartórios permanecem abertos, em plantão especifico para registro de nascimentos e óbitos, aos sábado e domingos pela manhã. 2.3.4. Ignorância - A ignorância pode ser considerada sob dois aspectos: a falta de conhecimento, por parte da população, da importância de registro, e o desconhecimento das normas legais estabelecidas para a realização do mesmo. 2.3.5. Negligência - É fator que pode também ser responsável pelo sub-registro, dado que, apesar do conhecimento da necessidade de registrar, não tomam os responsáveis a iniciativa de fazê-lo. 2.3.6. Distância do domicilio ao cartório - Em comunidades rurais, a distância do domicilio ao cartório não parece exercer qualquer influência negativa sobre o registro. Para a cidade de São Paulo, entretanto, esse fator deve ser encarado como de grande importância para fins de estudos estatísticos. Dada a exigência legal, todo nascido vivo deve ser registrado no local onde se deu o evento, entendendo-se como tal, para o município de São Paulo, cada um dos 48 subdistritos em que o mesmo se divide. Como as mães passam em média dois a três dias nas maternidade e a maior parte do tempo previsto para o registro é vivida na residência, sabe-se que esses são, muitas vezes, feitos nos cartórios próximos à casa da família e, quando não, próximo ao local de trabalho do pai. O cartório, visando a não deixar de efetuar aquele registro, o faz ilegalmente, anotando como local de nascimento «em residência» ou simplesmente «neste distrito». Este fato traz conseqüências serias, pois os mapas do Departamento Estadual de Estatística, feitos a partir dos dados dos cartórios, vão apresentar um aumento significativo do número de partos domiciliares. 2.3.7. Grau de instrução - O baixo grau de instrução do povo é um dos mais importantes fatores que, direta ou indiretamente, contribuem para a existência do sub-registro de nascimento. 3. ÓBITOS 3.1. Conceito e finalidade - A morte é entendida como o desaparecimento permanente de todo sinal de vida em um momento qualquer posterior ao nascimento. Rompe ela todos os laços que unem o indivíduo á sociedade. Desaparece com a morte a categoria dos direitos pessoais, inerentes à própria pessoa - continuando a existir, entretanto, os direitos materiais existentes em seu patrimônio, que vão passar agora aos seus sucessores legítimos ou testamentários.
Por essa razão, o registro de óbito, paralelamente ao de nascimento, tem como finalidade
jurídica prevenir terceiros do desaparecimento dos direitos pessoais do «de cujos» e da mudança de titular no que toca aos direitos materiais.
Dispõe o artigo 77 da Lei de Registros Públicos que «nenhum enterramento será feito sem a
certidão de registro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito em vista do atestado do médico, se houver no lugar, ou, em caso contrário, de duas pessoas qualificadas, que tiverem presenciado ou verificado o óbito».
Quanto ao prazo para a promoção do registro, determina a lei o máximo de 24 horas, sendo
que somente em alguns casos muito especiais poderá ser feito tardiamente. 3.2. Sub-registro de óbito - O óbito, de acordo com a lei (artigo 77), deve ser registrado no lugar em que tenha ocorrido e, da mesma forma que acontece com os nascimentos, tal determinação deturpa enormemente as estatísticas de saúde. Assim, no caso de São Paulo, se uma pessoa morre em um determinado hospital, deverá ter seu óbito registrado no subdistrito a que o mesmo pertence. Dessa forma, dentro da mesma linha de raciocínio seguida para os nascimentos, alguns subdistritos vão apresentar altos coeficientes de mortalidade, apenas pelo fato de existirem hospitais em sua área. Cidades do interior há que, contrariamente, apresentam baixíssimos índices, não significando tal tato boas condições de saúde, mas simplesmente que seus habitantes vão morrer em outro lugar.
Com relação ao sub-registro de óbito, a proporção parece, obviamente, ser menor que a sub-
enumeração de nascimentos. Sua ocorrência deve restringir-se a certas áreas do interior do Brasil, onde se ouve ainda falar nos chamados cemitérios clandestinos, nos quais enterramentos são feitos sem nenhum registro. A importância deste fato é a de também aqui ficarem alterados coeficientes que trabalham com o número de óbitos. 3.3. O problema do nascido morto - A lei brasileira é clara no sentido de determinar que deva ser promovido registro mesmo para os casos de nascidos mortos. Mas não define o que entender por criança nascida morta.
Em oposição ao grupo dos nascidos vivos, a Organização Mundial da Saúde chamou de
perda fetal «a morte do produto da concepção antes da expulsão ou extração completa do corpo da mãe, independente da duração da gestação». Este critério de tempo foi usado, entretanto, para classificar as perdas fetais em precoces (com menos de 20 semanas), intermediárias (de 20 a 27 semanas) e tardias (com 28 ou mais semanas de gestação). Os dois primeiros grupos foram reunidos sob o nome genérico de aborto», e o das perdas tardias constitui o dos «nascidos mortos». 4. CONCLUSÃO
Estudando os nascimentos e óbitos, verificou-se:
. existe o sub-registro; . os dados registrados por local de ocorrência não refletem a situação de saúde da área; . a qualidade dos atestados de óbito principalmente quanto á causa da morte não é boa; . há uma superestimação de partos domiciliares.
Resumindo, pode-se comprovar que, de maneira mais ou menos intensa, as estatísticas vitais
nelas baseadas não correspondem integralmente á realidade. continua na próxima edição
O NEGRO E O RACISMO
A Campanha da Fraternidade deste ano, sobre a condição do negro na sociedade brasileira,
propõe o excelente conselho de não julgar o passado com os critérios do presente. O tema nos incita a evocar o problema mais geral do racismo no contexto da bioética. Além do mais, várias características mais simpáticas do povo deste Pais lhe vêm da quase metade de sua população que herdou algum sangue africano; não são precisamente as qualidades requeridas pelo desenvolvimento industrial para se chegar ao oitavo PIB ocidental, mas, antes, traços de jovial convivialidade. No contexto dum certo pessimismo que afeta hoje a matéria, cabe salientar, não sem alguma objetividade, que a segunda nação de maior sangue africano no mundo (após a Nigéria/ é a região que melhor conseguiu o difícil entrosamento de taças, quando a preta está envolvida.
Ficamos perplexos diante do fato que nem os Estados Unidos conseguiram evitar nesta área uma permanente tensão e intranqüilidade.
Sabemos que não se chegou aqui à perfeição, mas o realismo leva a reconhecer que nenhum
povo gosta espontaneamente de estrangeiro, de raça diferente, de choque cultural. Muitas nações africanas, ao sair do colonialismo, evidenciaram sua libertação política por lutas sangrentas e infindáveis entre etnias ou tribos rivais.
A igualdade substancial de pessoas e sua igual vocação religiosa não impedem ostensiva
diversidade dos dons naturais e aptidões culturais, dos carismas individuais e étnicos. Estes dotes são valorizados conforme as práticas sociais, que dependem não apenas dos gostos e da antropologia latente que os hierarquiza, mas, implícita ou explicitamente, do tipo de sociedade que se pretende coletivamente: civilização do lazer e da festa, ou industrial e progressista, por exemplo. Em determinado contexto, haverá forçosamente menos dotados e mais dotados, sendo desejável preservar a liberdade das minorias de cultivar os valores que lhe agradam, na medida, todavia, em que não prejudiquem o bem-estar coletivo. Não é possível maximizar ao mesmo tempo todos os valores de indiscutível interesse. Pelo fato de ser sempre relativa, a inferioridade ou superioridade não pode ser arbitrariamente negada, a não ser na perspectiva teórica duma utopia igualitarista cuja fecundidade não é evidente.
A posição eclesial é conhecida a respeito do racismo. Lembramos que, em 9 de fevereiro de
1934, Pio XI vetou o livro racista de Alfred Rosenberg («Der Mythus des XXº Jahrhunderts») e condenou na encíclica «Mit brenn ender Sorge» as seguintes teses nazistas: há mais diferença entre raças humanas do que entre o ser humano e os outros primata mais evoluídos; convém preservar a pureza e vigor da raça ariana, mais nobre; do sangue transmitido dependem as qualidades do ser humano; o fim primordial da educação visa o culto deste sangue nobre; as religiões têm de se conformar com estas normas; o instinto racial norteia a ordem jurídica. É curioso notar que a simbolização da vida humana pelo destaque do sangue é também um conceito do judaísmo odiado pelo nazismo.
A discreta segregação brasileira não chega a tais extremos, nem é teórica e ideologicamente
sistematizada; é apenas instintual e prática, aliás condenada pela lei. Como em demais assuntos, a história propõe explicações, mas abusa-se da história, e de maneira contraproducente, ora quando as reinterpretações incidem em condenações anacrônicas, ora quando o passado serve para legitimar injustiças que o tempo podia e devia superar. O postulado constitutivo da história é que nem tudo nela é fatalidade. Antes de 1964, não se tocava em certas injustiças sociais, argumentando-se com explicações do passado colonial ou imperial; entre 1964 e 1985, os abusos eram amiúde cobertos pelos perigos que teria feito correr o regime Jânio-Goulart; a Nova República invoca de bom grado desculpas da herança do regime militar, sem se dar conta que acentua muitos de seus defeitos (nepotismo, corrupção, dientelismo, irresponsabilidade econômica, xenofobia demagógica e contra-producente, primazia da promoção individual e partidária etc.). Afugentar o capital estrangeiro só rende votos contra o bem dos eleitores, pela ignorância deles.
A miscigenação de que o Brasil pode se orgulhar não é sinal de decadência. Nem faltam ao
Pais leis sociais norteadas para promover maior igualdade e participação; falta-lhe aplicação dentro duma mentalidade igualitária, atenta às competências mais do que á dialética do favor e do jeito. Se uma Constituição demagógica e xenófoba pode promover maior fraternidade, por que Getúlio Vargas não tem resolvidos os problemas ainda pendentes? Os pretos latino-americanos que se sentem injustiçados poderiam promover a instituição duma Corte Latino-Ameticana de Justiça competente: crescente número de portugueses estão apelando por violação dos direitos humanos à Corte de Estrasburgo. Isto para os casos mais graves. Deve haver motivos para se ter no hospital público uma percentagem mais elevada do que a nacional de representantes da etnia japonesa entre
médicos internos e enfermeiras, como da cor preta ou parda entre atendentes e funcionários inferiores. O hospital público é reflexo da sociedade, onde certos traços de mentalidade podem ter expressão quase estatística. Num regime de trocas de favores e pressões jeitosas, há doentes que cumulam desvantagens: ser mulher, ser preta, ser idosa, ser pobre. Cumulam também bem aventuranças, mas tal conforto nem sempre basta.
Se as Igrejas lideram algum esforço de melhoria da condição sócio-humana, sua militância
anti-racista, em particular a favor do negro, figura entre os itens menos contestáveis. Faltam-nos dados sobre o alcance duma Campanha da Fraternidade fora do meio restrito dos católicos praticantes. Pelo menos o tema da negritude desencadeou uma proliferação de publicações que talvez cheguem a outros segmentos sociais. O problema não é tanto de medir responsabilidades passadas com critérios discutíveis quanto de traçar estratégias do presente. Se uma mulher, demonstrando maior competência do que um homem, consegue subir social e profissionalmente, cabe convencer os pretos que não percam tempo e esforço investindo na competência. Não estão os descendentes dos japoneses subindo em todos os países onde rivalizam com brancos? Sabemos que as moças são iguais diante de Deus, mas a demonstração da funcionalidade técnica e cultural não é supérflua na história concreta.
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